|
Texto Anterior | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
"Lei de Barrichello" impera no Brasil
A semana passada no Brasil foi marcada por dois debates sobre recursos públicos: a
suposta propina de R$ 15 milhões
cobrada pelo empresário Ricardo
Sérgio de Oliveira para facilitar a
vitória de um dos concorrentes na
disputa por uma privatização e o
corte de R$ 5,3 bilhões no Orçamento devido ao atraso na aprovação da CPMF (Contribuição
Provisória sobre Movimentação
Financeira).
Esses dois debates revelam como o Brasil tem uma porção de
Rubens Barrichello -que, ao
aceitar o humilhante segundo lugar, se mostrou campeão em pequenez. Se antes o símbolo da esperteza e do pragmatismo era a
da "lei de Gerson" ("É preciso levar vantagem em tudo"), passou
a imperar, desde a semana passada, a "lei de Barrichello" ("A desvantagem também é uma vantagem"). Nem passou pela cabeça
do piloto que, na pista, além de
um contrato, também se carrega
a imagem de um país. A vocação
à pequenez -essência da "lei de
Barrichello"- é visível no debate
sobre a tal propina e a crise na
aprovação da CPMF.
Se Ricardo Sérgio cobrou mesmo propina no processo de privatização da Vale do Rio Doce, estamos diante de um escândalo. Mas
a verdade é que agora o escândalo é realmente um escândalo por
causa das eleições; afinal, atinge o
PSDB no geral e José Serra em
particular. O que está em jogo
não é, no fundo, a corrupção, mas
a eleição. Gastam-se páginas de
indignação (e é claro que esse tipo
de negociata, se real, merece indignação) para falar do caso Ricardo Sérgio. O fato, porém, é que,
por mais que existam indícios
acompanhados de rumores, não
há provas, apenas suposições.
A "lei de Barrichello" aparece
na comparação com o debate sobre o corte nos gastos públicos.
Não é suposição, mas anúncio oficial: devido às futricas que impediram a aprovação da CPMF, serão cortados R$ 5,3 bilhões para
compensar a perda na arrecadação. Como a CPMF é um dos
principais combustíveis do Fundo
de Combate à Pobreza, a educação perdeu R$ 1 bilhão. Curioso é
que estão produzindo mais indignação e comentários os supostos
R$ 15 milhões de uma propina do
que a perda de R$ 1 bilhão em
verbas para a educação -está aí
a mistura de vocação à pequenez
com a idéia de que, para alguém,
uma desvantagem pode ser uma
vantagem.
Imaginava-se que atrasar a
aprovação do imposto seria uma
vantagem política, já que isso colocava o governo em desvantagem, segundo a lógica da "lei do
Barrichello". Claro que o fato de
os pobres saírem perdendo é um
mal menor, tanto que a repercussão desse rombo em programas
educacionais foi mínima. Tente
qualquer governo, numa nação
desenvolvida, fazer esse tipo de
corte no Orçamento e, em especial, em verbas para a educação; a
reação será imediata e, certamente, gigantesca. Afinal, quem pensa
grande sabe que, ao afetar perspectivas educacionais, afetam-se
as perspectivas de todo um país.
Não perceber o efeito de tais cortes é sinal de deseducação política, é uma demonstração da incapacidade de entender como uma
decisão consegue atingir a vida
dos cidadãos comuns em algo tão
essencial quanto o acesso ao conhecimento. Os mais espertos sabem desse efeito, mas, como seus
filhos não dependem das escolas
públicas nem da bolsa-escola, o
problema não é tão urgente assim.
A "lei de Barrichello" -assim
como a de Gerson- é estimulada, em parte, pela baixa educação política, que, por sua vez, é
alimentada pelo disseminado
analfabetismo funcional (a incapacidade de ler e entender). Daí
que, nesta eleição, saber quem é o
marqueteiro tem quase tanto valor quanto saber quem é o candidato. Prova disso é que muita
gente fala que, se Lula vencer,
parte da responsabilidade será de
Duda Mendonça. E, se vencer Serra, parte -aliás, bem expressiva- da responsabilidade vai ser
de Nizan Guanaes.
PS - Boa notícia eleitoral. Acompanhados por técnicos, jovens serão treinados para entrevistar os
candidatos à Presidência. Em
meio a debates sobre a história
política do Brasil, serão preparados para discutir questões sociais,
políticas públicas e execução orçamentária. Os estudantes terão
nas mãos números e documentos
que lhes permitirão exigir dos
candidatos mais do que intenções. A idéia é transmitir o debate
ao vivo por rádio e TV, focado
quase exclusivamente nos programas dos candidatos para a infância e, em especial, para a juventude. O objetivo é que saia
desses debates um compromisso
real, e não apenas promessas, para uma política nacional de juventude, articulada com os Estados e os municípios, além da sociedade. Esse é o pessoal que não
vai chegar em segundo lugar.
E-mail -
gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Romários Índice
|