São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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GILBERTO DIMENSTEIN

Quando crescer, vou ser desempregado

Pesquisas eleitorais não costumam ouvir as crianças; importa, afinal, ouvir a opinião de quem vota. As crianças, porém, ajudam a entender por que Lula está montado na possibilidade de vitória já no primeiro turno e por que José Serra se comporta quase como um candidato de oposição -e o que move o tiroteio, iniciado na semana passada, entre os dois candidatos.
Realizado neste mês num parque de diversões em São Paulo, um levantamento do Datafolha sobre os receios de crianças de 12 a 14 anos, a imensa maioria delas de classe média para cima, dá uma indicação do nível de "adultização" da infância.
Na lista de temores infantis, segundo a pesquisa, aparecem, entre os principais destaques, a violência urbana e o desemprego. Tirando os itens "assombração" e "terror das provas escolares", as crianças têm os mesmos medos -e quase em igual proporção- dos adultos.
A "adultização" da infância é, de um lado, uma consequência do bombardeio dos dados da mídia na era do tempo real e, de outro, um efeito da claustrofobia provocada pelo cerco do desemprego e da violência.

Havia um tempo em que se repetia a pergunta: "O que você vai ser quando crescer?" e quase todas as crianças demonstravam a certeza de que fariam alguma coisa. Não se diziam coisas do tipo "talvez eu seja um desempregado".
Na pesquisa do parque de diversões, 74% disseram ter medo de, no futuro, não conseguir trabalho. Para uma criança, imaginar-se sem ocupação depois de terminada a escola, temer pelo emprego dos pais e sentir-se cercada por delinquentes representa uma brutal taxa de ansiedade, que, muitas vezes, acaba no consultório psicológico.

A sucessão presidencial é movida por essa ansiedade. O brasileiro se sente acuado, fragilizado. E quer mudança. Quer algo que se traduz, essencialmente, pelo direito de andar pelas ruas sem medo e de receber o salário no final do mês. Quer mudança, mas sem grandes ousadias, sem instabilidade.
No tiroteio da semana passada entre Lula e José Serra, o que esteve na disputa foi a imagem de mais capaz de mudar o país sem estragar o que já foi conquistado.
A larga vantagem de Lula ocorre porque, até agora, ele está transmitindo a impressão de que, se eleito, manteria as conquistas do Plano Real e geraria crescimento econômico e empregos. Insistir na tecla de que sua campanha ofereça propostas em vez de fazer ataques faz parte da estratégia de ligá-lo ao futuro em vez de prendê-lo ao passado.

Serra está disputando a mesma bandeira da mudança sem instabilidade e tenta desconstruir a imagem de Lula. Explora os pontos fracos do adversário, como a inexperiência administrativa e a falta de educação formal. Se dependesse desses critérios, porém, Serra provavelmente não teria sido indicado para o cargo de ministro da Saúde: não teve formação na área e nunca administrou nada em saúde pública. Mas mesmo muitos de seus adversários reconhecem que ele fez uma boa gestão, graças, em larga medida, à equipe de técnicos que escolheu para ajudá-lo.
Os programas de Serra agregam aos pontos pessoais mais frágeis de Lula o passado do PT pouco "paz e amor", ligado ao MST e a greves. E resvalaram para a manipulação, vetada depois pela Justiça, quando insinuaram que os ataques de professores a Mário Covas tinham sido estimulados por José Dirceu -mais um passo e estariam dizendo que a bandeira vermelha hasteada em Bangu 1 indicaria a preferência partidária de Fernandinho Beira-Mar.

Serra tem títulos acadêmicos e experiência administrativa, mas é candidato de um governo que, na visão do eleitorado, mudou pouco ou quase nada daquilo que hoje é prioridade. Se a bandeira fosse a estabilidade, como ocorreu nas disputas que deram a vitória a Fernando Henrique Cardoso, tudo bem.
Se a associação com o passado do PT é ruim para Lula, por que não faria estragos ligar Serra ao governo FHC, que, aliás, nem é passado? O problema do candidato do governo é que ainda não conseguiu nem sequer obter o apoio dos que aprovam o governo, algo que chega a 40%, se se considerarem as avaliações ótimo, bom e regular positivo.

O prestígio de FHC é fácil de entender: até seus adversários reconhecem que a estabilidade financeira é positiva. Ganhou, portanto, um salvo-conduto. Mas o eleitorado quer mais, muito mais do próximo presidente: quer assegurar o que FHC ofereceu e conquistar uma sociedade em que as crianças possam ter sonhos (e pesadelos) de crianças.
Daí que, para Lula, tão ou mais grave do que os ataques de Serra é a especulação financeira, que, na semana passada, voltou a provocar abalos, aumentando ainda mais a instabilidade.

PS - Para ter uma idéia do tamanho da ansiedade infantil: 91% das crianças daquela amostragem têm medo de serem sequestradas. A pesquisa está na página do Aprendiz: www.aprendiz.org.br/.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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