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COMPORTAMENTO
Aposentado retomou a vida profissional para poder assegurar lar e cuidados para pelo menos 78 animais abandonados
Famílias carentes ganham "bolsa-cão"
DA REPORTAGEM LOCAL
O que levaria um executivo
aposentado da multinacional
IBM a abandonar seu "ócio ativo
maravilhoso" e voltar à ativa depois de mais de 30 anos de trabalho? "O destino genético", afirma
o engenheiro Alvaro Salla, 60. No
caso dele, a retomada da vida profissional ocorreu para que pudesse assegurar lar e cuidados para
pelo menos 78 cães abandonados.
Desde que se aposentou, há três
anos, Salla dá entre R$ 80 e R$ 100
mensais por cachorro de rua adotado a um total de 12 famílias carentes em São Paulo e em Brasília,
que ele acaba identificando em
suas andanças pelas cidades ou
com a ajuda de amigos.
"Dessa forma, ajudo um pouco
a resolver dois problemas de uma
vez [o dos bichos e o das pessoas"
e também me ajudo. Não consigo
mais olhar para um animal na rua
e virar o rosto, mas tenho um
apartamento pequeno, onde não
há espaço para acolher todos
eles", afirma.
"Desde cedo me incomodava
ver animais e crianças abandonadas porque eles são indefesos e
não têm culpa de nada. Mas, por
muito tempo, embora sofresse, fiz
muito pouco. Quando me aposentei, tinha tempo e dinheiro para fazer alguma coisa", completa.
Mas, em pouco tempo, a "bolsa-cão" já estava consumindo R$ 10
mil, o dobro da aposentadoria de
Salla. A saída foi voltar ao mercado como consultor e professor
para sustentar o que ele mesmo
define como um "vício".
"Em muitas famílias, o dinheiro
que dou é a única fonte de renda.
Comecei também a ajudar os chamados "cachorreiros", que pegam
os animais na rua para cuidar,
mesmo não tendo dinheiro. Eles
acabaram dependendo de mim",
declara Salla.
Compensações
Embora não possa ser considerada uma "cachorreira", a faxineira Núbia Maria Duarte Ferreira,
56, é uma das que não pode ver
animais abandonados na rua.
"Queria ter um lugar enorme
para onde levar todos eles." Como
não tem, ela cuida de Doly, Nego e
Miquelina. Pelos dois primeiros,
recebe ajuda da "bolsa-cão" de
Salla, que paga o aluguel da casa
onde Ferreira mora com a irmã, o
cunhado e dois sobrinhos no Brás
(região central de São Paulo).
As dificuldades para cuidar dos
animais adotados são compensadas, diz, pela companhia e carinho que eles dão.
"Sem eles, não teria aguentado a
morte de meu marido [há quatro
meses"", conta. "Depois que o
meu marido morreu, todos sofremos muito. O Nego se enfiou embaixo da cama por três dias",
completa.
"Minha irmã reclama um pouco porque eles não querem ficar
do lado de fora, mas não tem jeito.
Os cachorros são os verdadeiro
donos da casa", diz sorrindo a faxineira, que não tem filhos.
Canil e ONG
Com o objetivo de ampliar o
universo de animais retirados das
ruas, Salla e "uma amiga cachorreira" estão construindo, em Juquitiba (78 km da capital), um canil para até 200 cães abandonados, com espaço para banho de
sol e divisões espaçosas. A previsão é que o local receba seus primeiros hóspedes em dois meses.
Os planos vão ainda mais longe.
Ao lado de duas veterinárias de
Brasília -para onde viaja frequentemente a trabalho-, Salla
tem a idéia de criar uma ONG para prestar atendimento médico
(vacinação, vermifugação e castração) a animais de favelas e bairros pobres da capital federal.
"Queremos montar uma pet
shop e reverter todo o lucro dela
para a compra e manutenção de
uma Kombi equipada como um
posto veterinário móvel", diz.
Para os que fazem críticas aos
defensores dos animais em um
país em que milhares de pessoas
vivem abaixo da linha da miséria,
Salla responde: "O argumento de
que não se deve fazer uma coisa
porque não se faz outra é um absurdo. É uma grande desculpa para a inércia. Se você fizer o que está ao seu alcance, a vida de todo
mundo fica melhor".
(MARIANA VIVEIROS)
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