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GILBERTO DIMENSTEIN
Cidadãos provisórios e impostos definitivos
A baixa qualidade do ensino
público é um consenso, mas
ainda não se tocou nos R$ 2,1 bilhões -recursos que seriam suficientes quase para duplicar o valor da bolsa-escola ou o orçamento do Fome Zero- destinados a
conectar as escolas à internet.
O ministro das Comunicações,
Miro Teixeira, informou a esta
coluna, na semana passada, que
há questões jurídicas pendentes e,
nas entrelinhas, levantou a suspeita de que as leis para a utilização dos tais R$ 2,1 bilhões favoreçam as poderosas empresas. Boa
parte desse dinheiro foi até agora
esterilizada para fazer caixa para
o governo enfrentar suas dívidas.
Em nome da guerra contra a
exclusão digital, os brasileiros pagaram adiantado por um programa que entrou nos discursos oficiais, mas não saiu do papel. Esse
impasse, provocado por um impasse no Congresso, não é uma
exceção quando se trata da distância entre o imposto e o serviço
prestado pelo governo.
Neste mês, foi divulgado o recorde da carga de impostos no Brasil,
que atingiu 36% do PIB (Produto
Interno Bruto). Entre tributos diretos e indiretos, um indivíduo
trabalha quase quatro meses por
ano apenas para o governo. A
classe média, além de pagar os
tributos, ainda arca, por falta de
opção, com os custos da educação, da saúde e, muitas vezes, da
segurança.
Foram comemorados, na semana passada, os dez anos de existência da CPMF, cujo "p" da sigla
significa "provisório". Poderiam,
pelo menos, ser elegantes e tirar
da sigla essa palavrinha que soa a
deboche com o bolso alheio. O
presidente Lula já mandou dizer
que essa temporariedade ainda
vai continuar por tempo indeterminado. Ou seja, talvez definitivamente. Assessores de Lula gostariam de aumentar ainda mais
os impostos das classes média e
alta -e alguns deles defendem
essa idéia.
É mais fácil, como todos sabemos, aumentar impostos do que
cortar despesas.
Ao colocar no topo da agenda
nacional a reforma da Previdência, Lula prestou um enorme serviço à pedagogia do contribuinte.
O cidadão está vendo, como nunca viu, quanto sai de seu bolso para manter um sistema falido de
privilégios, capaz de comprometer a saúde financeira do país -e,
de quebra, está percebendo também a irresponsabilidade do PT,
que, até há bem pouco tempo, por
motivos eleitoreiros, atacou as
mudanças.
Ironicamente, os incendiários
vestiram agora o uniforme de
bombeiros. Em conversas reservadas, assessores de Lula lamentam-se hoje do que deveriam ter
feito ontem. Não se deve criticar o
pai que impõe limites aos filhos
apesar de ter "aprontado" nos
seus bons tempos de adolescência.
Errado está o pai que continua
agindo como adolescente, aceitando qualquer coisa dos filhos.
Paga-se a conta dos desastres
oficiais não só com impostos mas
também com cortes de investimento e, pior, com instabilidade
econômica. Se não estivesse em
jogo a credibilidade do poder público, a sua capacidade de pagar
suas dívidas, possivelmente haveria mais fluxo de investimento e
menos pressão sobre a taxa de juros, obstáculo para a geração de
empregos. Juros altos e crescimento econômico não combinam.
Um documento elaborado pela
Prefeitura de São Paulo tira a
frieza do debate sobre a taxa de
juros, elevada mais uma vez na
semana passada. Para cada ponto a mais na taxa, perdem-se 40
mil empregos apenas na cidade;
multiplique várias vezes essa perda pelo Brasil.
A pedagogia do contribuinte, reforçada por Lula, deve-se também ao fato óbvio de que o PT
tem de apresentar uma marca social para não frustrar a opinião
pública. Isso significa que, em tese, tem de racionalizar as despesas. Se os governantes levarem a
sério o que anunciaram na sexta
passada, os brasileiros ficarão
ainda mais irritados com o destino dos impostos. Lançaram o Sistema Nacional de Avaliação de
Políticas e Programas Sociais,
com a missão de detectar desperdícios e propor a sinergia das
ações contra a miséria -algo
que, aliás, o Fome Zero ainda não
conseguiu fazer.
Há especialistas que garantem,
otimistas, que pelo menos um terço de todos os programas sociais
se perde desnecessariamente na
burocracia devido à corrupção, à
baixa qualificação e motivação
dos funcionários, à superposição
de projetos, à falta de foco e à descontinuidade.
Como se isso não bastasse, os governos federal, estadual e municipal estão conseguindo arrancar
as escassas verbas sociais das empresas, destinadas, em tese, a experiências comunitárias que mostrem eficiência e baixo custo. Pela
força governamental, os argumentos são, muitas vezes, irresistíveis. É o melhor caminho para
desmoralizar o chamado terceiro
setor, um laboratório de inovações em que imperam a agilidade,
a motivação do pessoal e a dedicação voluntária, que deve ser
complementar ao poder público,
não uma extensão orçamentária.
Nesse laboratório, com apenas
uma gota de água, sertão às vezes
consegue virar mar. Já o setor público não raro transforma o mar
em sertão, como ocorreu com os
R$ 2,1 bilhões que serviriam para
inundar, como prometeram, as
escolas de computadores.
PS - Proposta feita reservadamente pelo ministro da Educação, Cristovam Buarque, para
melhorar o combate à fome e a
bolsa-escola: o cartão de alimentação, segundo ele, deveria exigir
como contrapartida, para quem
não é beneficiário da bolsa-escola, a frequência escolar. A portas
fechadas, o ministro admite que
já houve avanços no plano de
combate à fome, mas, em essência, é um retrocesso em relação
aos programas já existentes e lançados pelo próprio PT. Nas suas
estatísticas, quase todo o dinheiro
da bolsa-escola é usado para
comprar comida.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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