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FAVELAS DO RIO
Melhorias não seriam antídoto contra crime
Investimento social sem polícia não diminui poder do tráfico
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O investimento público nas favelas do Rio não foi capaz de diminuir o poder do tráfico nessas comunidades. Para especialistas
ouvidos pela Folha, a experiência
carioca desmonta a tese simplista,
mas ainda muito difundida, de
que a ausência do Estado na área
social é responsável pelo aumento
do poder do tráfico de drogas.
Desde 1994 até hoje, a prefeitura
investiu US$ 600 milhões no programa Favela-Bairro, que urbanizou ou está urbanizando 138 comunidades, com iluminação, asfalto, creches e postos de saúde.
Os dados do Censo 2000 do IBGE mostram que a tese da completa ausência do poder público
nas favelas é equivocada. Segundo o instituto, a porcentagem de
domicílios com abastecimento de
água, rede de esgoto e coleta de lixo nas favelas da Rocinha (zona
sul), Complexo da Maré (zona
norte) e Complexo do Alemão
(zona norte), as maiores do Rio, é
superior a 90%, um indicador
melhor do que a média das regiões Norte ou Nordeste.
De 1996 a 2000, segundo o Instituto Pereira Passos (da Prefeitura
do Rio), o número de moradores
por domicílio nas favelas cariocas
caiu de 3,71 para 3,17, o que significa que as condições de moradia
melhoraram, já que há menos
pessoas no mesmo espaço.
Apesar das melhorias, no mesmo período o poder do tráfico aumentou, como demonstraram as
ações ousadas que ordenaram o
fechamento do comércio em toda
a cidade em 2002 e no mês passado. Outro indicador é o de armas
apreendidas: em 1994, foram
3.500, contra 14.363 em 2002.
Para os especialistas ouvidos
pela Folha, é preciso repensar a
estratégia de intervenção do poder público ao mesmo tempo em
que se constata que é inevitável o
aumento da presença da polícia.
"O Favela-Bairro cria as condições para a segurança pública.
Mas, se não houver polícia, assim
como aconteceria em Ipanema ou
Leblon [zona sul], não haverá segurança. Sem o Favela-Bairro, no
entanto, não haveria condição de
acessibilidade e mobilidade em
alguns morros", afirma o prefeito
do Rio, Cesar Maia (PFL).
A presença do tráfico em comunidades carentes acontece até em
novos conjuntos habitacionais,
como o Nova Sepetiba (zona oeste), maior empreendimento habitacional do ex-governador Anthony Garotinho (PSB) no Rio.
"A melhoria das condições habitacionais com a oferta de serviços públicos em muito contribui para que a população opte pelo
caminho correto, mas sabemos que isso não basta", diz o secretário de Estado de Habitação do
Rio, Fernando Avelino.
Para o presidente do BNDES,
Carlos Lessa, é preciso combinar
inclusão social com repressão policial. "Os poderes da cidade ainda param na fronteira das drogas.
Precisa haver posto policial e aparelho de segurança na favela."
O geógrafo Jailson de Souza,
professor da Universidade Federal Fluminense, critica a forma de
intervenção pública. "O discurso
da ausência do poder público e da
favela como lugar onde só há carências não é verdadeiro e cria
uma visão estereotipada. A favela
também tem sua diversidade. Há
famílias que estão mais em risco
do que outras e que deveriam ser
o foco das ações. As distinções
econômicas, sociais e culturais
têm que ser levadas em conta."
O antropólogo inglês Luke
Dowdney, autor de um livro sobre crianças que trabalham no
tráfico no Rio, concorda com
Souza. "É verdade que existem
postos de saúde, escolas e outros
serviços públicos. O problema é
que esse investimento não tem a
mesma qualidade do realizado
em outras áreas. Além disso, um
dos principais braços do poder
público, a polícia, não está presente. Tanto que, quando os policiais entram numa comunidade,
usam o termo invasão ou ocupação", afirma Dowdney.
A necessidade de criar políticas
públicas que gerem renda e dêem
perspectivas de ascensão social é
citada por Lessa, Souza e Dowdney. "No tráfico, um jovem sabe
que, começando como olheiro,
poderá subir na hierarquia. Se
trabalhar como office-boy, pode
continuar a vida toda na mesma
função", diz Dowdney.
A ex-secretária municipal de
educação do Rio, Regina de Assis,
cobra também mais participação
da sociedade no apoio às escolas.
"A escola é a última trincheira civilizatória dentro dessas áreas de
risco", afirma.
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