|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"QUARTO SETOR"
De saúde a educação, 500 entidades pobres de São Paulo atingem diretamente 222 mil pessoas com R$ 62 mi/ano
Sem dinheiro, micro-ONG atende multidão
SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Da sala de seu apartamento no
Conjunto Habitacional Águia de
Haia, extremo leste de São Paulo,
a funcionária pública aposentada
Maria do Socorro Alves, 61, atende a 390 famílias com programas,
criados por ela mesma, de encaminhamento médico e distribuição de alimentos aos vizinhos.
Dona Socorro e a Cohab onde
mora, na qual vivem 15 mil pessoas e onde não há posto de saúde
ou escola, não estão nos mapas do
terceiro setor brasileiro. Nem orçamento eles têm, e sim "pessoas
amigas" como os feirantes e proprietários de clínicas do bairro.
À margem da filantropia brasileira, cerca de 500 organizações
pobres da cidade de São Paulo como a de dona Socorro conseguem
atingir multidões -muitas vezes
sem movimentar dinheiro em espécie e tendo analfabetos funcionais como líderes.
A conclusão foi obtida por meio
do cadastramento de lideranças
de entidades no programa de capacitação em gestão de organizações sociais feito pelo Senac.
Batizado de Formatos 500, o
programa visa "formatar" iniciativas que, apesar da eficiência no
atendimento, são desenvolvidas
no improviso. O cadastramento
concluiu, por exemplo, que as 500
organizações -cem de cada região da cidade- movimentam
R$ 62,4 milhões por ano, em materiais doados e em espécie.
Com esse dinheiro, as entidades
conseguem atender a 222.158 pessoas diretamente e a outras
333.606 indiretamente.
Uma creche que atende diretamente a uma criança, por exemplo, beneficia a mãe, que passa a
poder trabalhar, e, assim, engrossar o orçamento da família.
Para ter uma idéia do poder de
fogo dessas entidades pobres, os
programas sociais da Prefeitura
de São Paulo consumiram R$ 250
milhões e atenderam a 179.407 famílias, no ano passado.
Já a Fundação Bradesco, a
maior organização não-governamental do país segundo o ranking
da Kanitz Associados, tem orçamento de R$ 586 milhões -quase dez vezes o valor movimentado
pelas entidades paulistanas- e
beneficia diretamente 100.772
pessoas com programas na área
de educação e pesquisa.
Um dos segredos do milagre da
multiplicação feito por essas organizações é o número alto de voluntários que elas mobilizam,
além das pessoas que empregam.
Segundo o levantamento do Senac, a divisão é de 54% de voluntários e 46% de empregados.
Dona Socorro, por exemplo,
tem 60 voluntários e nenhum funcionário. "É uma juventude daqui
da Cohab que me ajuda, gente que
entendeu o meu sonho, o de fazer
os outros acreditarem", afirma.
"Fazer acontecer"
Outra característica comum entre as 500 entidades -um mundo
onde se misturam bandeiras como falta de moradia e defesa dos
direitos de travestis da periferia-
é o fato de terem nascido do drama pessoal da liderança.
Dona Socorro migrou de Recife
(PE) há 40 anos e se viu sozinha
em São Paulo, sem dinheiro e
com quatro filhos para criar.
O ex-comerciante Nestor Quintos de Oliveira, 60, oferece aos 180
jovens que passam diariamente
por sua Casa de Cultura Educação
São Luiz, no Parque Santo Antônio, zona sul da cidade, o que
nunca teve quando tinha a mesma idade -educação e cultura.
"Nasci em Chapadinho [MA], e
lá só tinha roça para roçar e cama
para dormir", conta. Entre outras
coisas, a Casa tem 12 computadores, doados pelo governo do Estado, que servem para o programa
de inclusão digital criado por ele.
"Quando a sua comunidade sofre e as pessoas passam a acreditar
na sua pessoa, sabe Deus por que,
você tem de fazer acontecer", diz.
A mesma motivação teve um
grupo de pais de uma escola de
educação especial para portadores de deficiência, na Vila Prudente (zona leste). De um ano para o
outro, a Nossa Escola se viu sem o
apoio financeiro que recebia de
uma entidade do bairro.
A crise fez os pais descobrirem
que os R$ 550 pagos por mês ao
colégio não cobriam nem 50%
dos custos de cada um dos 46 alunos. O jeito para mantê-lo foi criar
uma associação, que passou não
só a defender a instituição, mas
também a educação diferenciada
que ela oferece aos portadores.
Entre cursos de profissionalização e atividades culturais, a escola
montou o espetáculo teatral "O
Mágico de Oz", que soma 45 apresentações em escolas públicas carentes da zona leste. "Quando entro no palco e vejo o público, é
uma alegria tão grande", diz Lígia
Pontenza Carillo, 20, aluna da escola que faz o papel de Dorothy.
O sonho de atriz de Lígia, no entanto, impôs um quebra-cabeça
aos pais que agora cuidam da saúde financeira da escola. "Lutamos
contra a indiferença de outros
pais e com uma infinidade de tarefas, como a elaboração de um
projeto de captação de recursos,
com as quais não sabemos lidar",
diz Juan Carlos Figueroa, da associação que assumiu a instituição.
A busca dessas entidades por
profissionalização é outro fenômeno observado pela equipe do
Senac. Cerca de 1.200 se inscreveram no programa Formatos 500,
que não teve nem divulgação.
"Lidamos com um universo
muito heterogêneo, o das lideranças sociais de base, de líderes que
não têm, às vezes, nem o dinheiro
da condução para vir ao curso",
diz Neusa Maria Goys, gerente da
unidade do Senac que cuida dos
programas para o terceiro setor.
O passado ligado à militância
política ou religiosa ainda marca
muitas dessas instituições, mas,
segundo Sérgio de Oliveira e Silva,
coordenador da Universidade
Aberta do Terceiro Setor, do Senac, a busca por formação vem
mudando o perfil das entidades.
"O Comunidade Solidária [programa do governo FHC", que
condicionava a participação das
entidades ao preenchimento de
certos pré-requisitos, acabou levantando essa onda", considera.
Especialista em terceiro setor, o
advogado Rubens Naves, consultor de fundações e associações, é
categórico: "Essas entidades de
base popular buscam se profissionalizar para continuar existindo".
Texto Anterior: Educação: Instituto Pasteur faz disco para crianças Próximo Texto: Bombeiro ensina crianças a combater incêndio Índice
|