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GILBERTO DIMENSTEIN
A cadela Michelle, a modelo Gisele e a prefeita Marta
A cadela Michelle, a fox terrier do presidente Lula, gerou, na semana passada, atritos
entre parlamentares devido à carona que recebeu de um veículo
oficial até a Granja do Torto, onde ocorria reunião ministerial.
"Quero saber quanto custou", reclamou um senador, encaminhando requerimento de explicações à Presidência da República.
A imprensa fez cálculos detalhados sobre o custo do combustível gasto do Palácio do Planalto
até a Granja do Torto, para que o
presidente pudesse usufruir, naquele cenário bucólico, da presença de sua cachorrinha. O assunto
repercutiu em todo o país e gerou
constrangidas justificativas oficiais. O constrangimento se acentuou porque, nos últimos dias,
pesquisas apontaram perda de
popularidade do governo.
Os parlamentares do PT defenderam -e com certa dose de razão- que era bobagem e mesquinharia usar a carona canina para
criticar o zelo ético de um governo. Talvez, muito provavelmente,
não fossem tão complacentes se a
mascote pertencesse a um adversário, mas aí já é outro problema.
O relevante nesse caso não é a
carona, mas a extrema (e crescente) sensibilidade da opinião pública em relação a tudo o que insinue ser um desperdício de recursos públicos ou deslumbramento
das autoridades.
Na mesma semana em que a cadela Michelle foi o centro de uma
polêmica sobre supostas mordomias oficiais, a modelo Gisele
Bündchen depositava, enfim, o
cheque que havia prometido para
a campanha de combate à fome.
Foi uma das doações filantrópicas mais comentadas dos últimos
tempos -afinal, abalou a imagem, já abalada, do programa
Fome Zero.
Depois da divulgação da foto
publicitária em que a modelo entregava um envelope ao ministro
José Graziano, descobriu-se que
não existia, efetivamente, nenhum cheque -o gesto não passou de uma promessa. E nem se
sabia onde seria feito o depósito
pela simples razão de que não se
conhecia o número da conta.
É um caso magistral de abuso
de marketing. Encenou-se, com
direito a uma chuva de flashes, a
doação de um cheque que não
existia para uma conta que também não existia. Era natural que,
uma vez descoberta a encenação,
a imagem do ministro -administrador de um plano que, a rigor, ainda não existe, senão como
piloto- ficasse arranhada.
A modelo apressou-se em pagar
o que prometera, e o governo, em
divulgar a conta. Enquanto isso,
a opinião pública oscilava entre o
deboche e a irritação.
Mais uma vez, a exemplo do caso Michelle, o caso Gisele transmitiu a suspeita de que gente poderosa e influente esteja desperdiçando recursos.
São várias as pesquisas que detectam a supersensibilidade popular, sinal da falta de paciência
num país que parece teimar em
não sair da crise -uma crise gerada, em larga medida, por um
poder público que gasta mais do
que arrecada e, pior, muitas vezes
gasta mal (sem contar que não
pára de arrecadar cada vez mais).
A prefeita de São Paulo, Marta
Suplicy (PT), tem em mãos levantamentos que mostram que uma
simples viagem com seu marido
Luís Favre desgastou a sua imagem mais do que muitas das controversas iniciativas de seu governo. Ela estava em Paris enquanto
a cidade vivia uma greve de ônibus e enfrentava, como é comum
nessa época do ano, enchentes.
Se estivesse em São Paulo, não
teria, naquelas circunstâncias,
evitado a greve nem estancado as
enchentes. A leitura, porém, foi a
de que ela se divertia levianamente em Paris enquanto a cidade era castigada.
Se se apega, muitas vezes, a detalhes insignificantes, essa supersensibilidade é, ao mesmo tempo,
uma arma para o avanço social.
Por conta das críticas ao Fome
Zero, técnicos do governo se sentem mais estimulados a criar um
cadastro único para identificar
todos os indivíduos que recebam
recursos de renda mínima de
qualquer esfera de governo, evitando os desperdícios.
O Ministério do Trabalho preferiu adiar o lançamento do programa de primeiro emprego para
evitar desgastes, firmando as parcerias e preparando sua estrutura
administrativa.
Se as reformas previdenciárias
forem aprovadas, terá sido porque os brasileiros se terão convencido de que aqueles privilégios para os servidores públicos são intoleráveis.
PS - Magnífico exemplo de desperdício: em apenas uma semana
em São Paulo (em uma só semana), são empregados, em média,
4.818 policiais, usando 1.774 veículos, para fazer 7.151 escoltas de
presos para depor nos tribunais.
Percorrem-se 267 mil quilômetros. Para enfrentar esse problema, desenvolve-se, em São Paulo,
uma experiência: a criação de
uma sala de audiências virtual,
na qual o preso pode ser acompanhado de seu advogado e o juiz
faz o interrogatório pelas câmeras, vendo tudo pelos monitores.
A idéia é reproduzir essas audiências, instalando a sala nos presídios. Uma articulação de advogados que alegam que esse tipo de
virtualidade dificulta o direito de
defesa está tentando, judicialmente, acabar com essa experiência -o que me parece mais uma
reação à novidade tecnológica do
que apego aos direitos civis.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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