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PARENTES DESAPARECIDOS
Após separação forçada, retomada do convívio é processo marcado por estranhamento
Reencontro não encerra drama de famílias
ALESSANDRA KORMANN
DA AGÊNCIA FOLHA
"O convívio com uma criança
não volta mais. É um espaço vazio. Por que não me deram o direito de conviver com meu filho
todo esse tempo?", pergunta o
médico Toshio Toyota, 52, prefeito de Novo Horizonte (a 429 km
de São Paulo), que reencontrou o
filho dez anos depois de a criança
ter desaparecido, levada pela mãe.
O drama do desaparecimento
terminou, mas, para o médico e
seu filho Victor, hoje com 14 anos,
começa uma nova fase difícil: a da
adaptação. Pai e filho não construíram uma história juntos, não
descobriram as afinidades nem se
acostumaram com as diferenças.
Agora tentam superar o estranhamento mútuo.
É a mesma situação pela qual
devem passar o garoto Pedrinho e
seus pais. Em 21 de janeiro de
1986, o bebê Osvaldo Martins Jr.,
chamado de Pedrinho pelos pais
biológicos, foi levado de uma maternidade de Brasília quatro horas
depois de nascer.
O drama dos pais Jayro Braule
Pinto e Maria Auxiliadora terminou com teste de DNA que comprovou que Pedrinho -que vivia
com Vilma Martins Costa em
Goiânia- era o filho que procuraram por mais de 16 anos.
Vilma, a mãe de criação de Pedrinho, é acusada de ter sequestrado o garoto. Pedrinho teve apenas um encontro com os pais biológicos e se mostra dividido.
Longe da atenção da mídia, dramas semelhantes se desenrolam
todos os dias. Só no Estado de São
Paulo foram registradas 16.382
ocorrências de desaparecimentos
e encontradas 9.377 pessoas este
ano, de acordo com dados da Delegacia de Pessoas Desaparecidas.
No caso do médico Toyota, a
busca de dez anos terminou em
abril, quando finalmente encontrou Victor, que havia sido levado
pela mãe para a Espanha quando
tinha quatro anos.
O garoto, agora com 14 anos,
chegou ao Brasil em julho para
passar as férias escolares e resolveu ficar no país por um ano. As
diferenças entre ele e o pai já começaram a aparecer. "Estamos
nos acostumando, temos temperamentos diferentes", diz Victor.
Para a psicóloga Isabel Kahn,
professora de terapia familiar da
PUC-SP e que atua também em
abrigos e na Vara da Infância e Juventude em questões de adoção,
um dos problemas que ocorrem
quando membros da família se
separam por muito tempo são as
expectativas frustradas.
"Os pais projetam sobre os filhos um monte de expectativas, e
é na convivência diária que a família vai se adaptando à realidade
da criança. Uma família que fica
longe do filho fica só com as fantasias", disse.
Quando há o encontro, as coisas
normalmente são diferentes do
que se imaginava, o que acaba
provocando estranhamento.
É o caso da família da jornalista
Mariane, 35, que só com 27 anos
conheceu a irmã Júlia (nomes fictícios), há quase sete anos. A mãe
delas teve Mariane com 16 anos.
Quando veio a gravidez de Júlia,
um ano depois, a avó resolveu
doar a criança sem o consentimento da mãe.
"Minha mãe procurou minha
irmã a vida inteira, e, quando a
encontrou, elas não se entenderam muito bem, pois ela era muito diferente da gente", disse Mariane. Para Júlia, criada em Catanduva, no interior de São Paulo, a
adaptação também foi complicada. "As pessoas imaginam uma
coisa, você imagina outra, pensa
que é tudo um mar de rosas e, na
realidade, cada pessoa tem um gênio, um hábito diferente."
As famílias que encontram algum parente desaparecido também têm em comum a sensação
de que é impossível recuperar o
tempo perdido.
"O tempo que passou não volta,
mas também não dá para pegar
esse tempo que a pessoa viveu e
jogar fora, porque ele pode voltar
como pesadelo, como doença",
afirma a professora da PUC.
Dani (o nome também é fictício,
para preservar a menina), 14, prefere não falar sobre o que aconteceu nos dois anos e quatro meses
que passou longe de casa. A mãe,
Ana, conta que ela foi levada por
uma mulher quando brincava
perto de casa, em Osasco (Grande
São Paulo). Sofreu maus tratos e
teve de trabalhar para comer.
Dani sumiu em janeiro de 1996.
Sua mãe nunca desistiu de procurá-la. Sua foto chegou a ser mostrada na novela "Explode Coração", da Rede Globo, que tratou
do tema e ajudou a localizar cerca
de 70 crianças desaparecidas.
Quando Dani conseguiu escapar, no Dia das Mães de 1998, foi
encontrada dormindo em um
banco de praça. "Ela voltou diferente, mais nervosa", diz a mãe.
Para a menina Isabela (nome fictício), 10, os quatro anos que passou longe da mãe não trouxeram
saudade. "Ela me batia muito",
diz. Quando tinha sete anos, a
menina foi levada pelo pai.
Denise, a mãe, nega que batesse
na garota. Elas se reencontraram
há cerca de um mês, depois que
Isabela foi localizada por meio da
matrícula na escola. "No começo,
ela estava meio arredia. O abraço
não saía", afirma Denise, que vive
a experiência de se adaptar à própria filha.
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