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Readaptação à família é desafio de projeto em Manaus
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS
A readaptação ao lar após muito
tempo passado nas ruas é o maior
desafio apontado pelo Programa
Criança Urgente, da Prefeitura de
Manaus, que procura ""resgatar"
meninos e meninas de rua.
O problema maior é que os menores geralmente vêm de famílias
desagregadas, nas quais a violência e a miséria são fatores recorrentes. A rua, com todos os seus
perigos, às vezes é mais tentadora
aos olhos das crianças.
"Nas ruas, eu gostava da liberdade porque era totalmente diferente da minha casa. Nas ruas, só
aprendi fazer coisa que não prestava, nunca dormi, ficava o tempo
todo acordada com medo que me
estuprassem, mas quando voltava
pra casa eu apanhava."
Com essa frase, N.F.S.C., 12,
descreve o que a manteve nas ruas
de Manaus dos 9 aos 11 anos. Ela
chegou a ser acorrentada e ter sua
cabeça raspada pela mãe, a vendedora de café M.C.R.S., 30, para
que não fugisse.
N. é uma das 274 crianças reintegradas, desde 1999, pelo Criança
Urgente. A assistente social Iara
Barroso de Vasconcelos Dias,
coordenadora do Centro de Convivência da prefeitura, afirma que
as crianças e adolescentes participam de oficinas profissionalizantes, praticam esportes e também
fazem terapia -que atende os
pais também.
Mas o fundamental para assegurar o retorno definitivo ao lar é
o trabalho direcionado à família.
"Algumas famílias não faziam
questão dos menores no lar, outras, uma minoria, se empenharam no programa para nos ajudar", afirma a assistente social.
Das crianças resgatadas das
ruas, 131 recebem bolsa-auxílio
que varia de R$ 126 a R$ 180. Hoje,
26 menores atendidos ainda vivem nas ruas de Manaus.
A adolescente N. mora numa
palafita do beco São Francisco, no
bairro da Cachoeirinha. Lá ela divida os dois pequenos cômodos
com mais quatro irmãos, a mãe e
o padrasto.
Em condições difíceis vivia também P.R.A.M., 14, que fugiu de casa com apenas nove anos. Ela voltou no ano passado, mas ainda
sofre inapetência devido ao uso
de drogas como solventes. Ela
mora num quarto no bairro Compensa com a mãe, a viúva R.A.L.,
34, e os quatro irmãos.
Outro ""resgatado", F.W.Q. J.,
12, saiu de casa com seis anos e
voltou para a escola e para a família aos dez. Ele afirma que não tinha problemas com o padrasto,
mas achava que sua mãe, a funcionária pública S.Q. J., 28, "pegava no seu pé". Eles e mais seis
crianças moravam numa casa de
dois quartos no bairro Redenção.
A mãe afirma que sempre se culpava: "Meu filho estava na rua.
Que espécie de mãe era eu?"
Agressão
Já a mãe de N. afirma que a filha
não queria limites. "Ela não queria limite, não fazia as tarefas,
queria muita liberdade. Mas hoje
reconheço que espancava meus
filhos. Não tenho marido, me sentia pressionada", diz C..
R., após a terapia, defende o diálogo. "Ela já foi envolvida com
drogas e não tenho certeza se ela
parou [de usar", por isso que não
adianta trancar ela de uma vez, a
conversa franca me fez conquistá-la", diz. Tanto sua filha P. como N.
e F. recebem bolsa mensal no valor de R$ 151.
O psicanalista e professor da
UFA (Universidade Federal do
Amazonas) Manoel Dias Galvão
aprova a ação de R.. "Os pais têm
que entender que só proibir não
funciona", analisa.
Com dez anos à frente do Juizado da Infância e Juventude de Manaus, o juiz Rafael Romano afirma que o poder público não só
deve reintegrar os menores às famílias, mas oferecer oportunidades de entretenimento e qualidade de ensino.
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