|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Se eu fosse ela
Se eu fosse Marisa, não ia
morar no Palácio da Alvorada
nem morta; ia ser bem feliz na
Granja do Torto e só iria ao mais
lindo aquário do mundo para
mostrar aos amigos de São Bernardo ou quando fosse receber
para jantares oficiais.
Já pensou chegar numa casa
enorme sem nem um cantinho
para ouvir um disco sossegada,
ser apresentada a cozinheiros, copeiros e arrumadeiras que nunca
viu na vida (e ter que decorar os
nomes), dizer se prefere o bife bem
ou mal passado, se no café da manhã prefere suco de laranja ou de
maracujá, que costuma dormir
com cobertor e tem alergia a travesseiros de pluma, se faz dieta ou
não, que tem horror a abobrinha,
que aquele vidrinho de remédio
tem que ficar na mesa de cabeceira para não esquecer de tomar?
Abrir sua intimidade para pessoas inteiramente desconhecidas,
de um dia para o outro? Já basta
ter que arranjar um cabeleireiro e
uma manicure novos, os dois puxando conversa e prestando atenção em tudo, cruzes.
E tem mais: passar a dormir em
lençóis que, mesmo sendo maravilhosos, não foram escolhidos
por você, encontrar no banheiro
sabonetes e pasta de dentes de
marcas diferentes das que costuma usar -eles não podem adivinhar quais as que prefere- e cruzar nas salas, de manhã, à tarde e
à noite, com diplomatas de terno
escuro, todos muito gentis, amáveis e extremamente bem educados, sempre dando dicas sobre o
protocolo numa linguagem meio
cifrada -diplomatas nunca falam as coisas pão pão queijo queijo; já imaginou o desconforto? E
almoçar e jantar sentada na mesa sendo servida à francesa todos
os dias da vida? E na noite em que
estiver vendo aquele filme na televisão, será que pode pedir o jantar numa bandeja, ou nos palácios não pega bem? Eu morria.
Se eu fosse ela, me instalava na
Granja do Torto e levava comigo
uma cozinheira que estivesse
muito acostumada a fazer as coisas do jeito que eu gosto, que já está cansada de saber que a rabada
deve ser um pouco gordurosa
-Lula, aliás, subiu muito no
meu conceito, quando li isso num
jornal- e uma arrumadeira com
quem eu pudesse falar alguma
coisa sobre um dos meus filhos,
que ela conhece bem, e até reclamar um pouco da vida, quando
fosse o caso, como se faz com empregadas que estão na família há
muito tempo. Ter uma casa onde
tivesse o direito de entrar na cozinha e abrir a geladeira, o que no
Alvorada deve ser difícil.
Se eu fosse Marisa, faria um rodízio com irmãs, primas e amigas,
para ter sempre por perto uma
pessoa muito íntima e de confiança, que não conhecesse um só jornalista, para descobrir comigo esse mundo novo do poder, das etiquetas e dos protocolos. Para
compartilhar certos deslumbramentos e também poder abrir o
coração e dizer que tem horror a
algumas obrigações que vai ter
que assumir, como tomar
chá com as embaixatrizes, por
exemplo.
Quando não se tem com quem
reclamar, a vida fica um inferno,
e como o marido vai estar muito
ocupado, já viu.
Aquele futebolzinho nas tardes
de domingo não combina com o
Alvorada; um chute mais violento
pode quebrar um vidro do palácio, que pelo tamanho deve custar
caríssimo. A família deve ter passado o último domingo muito feliz na Granja do Torto com os filhos e os amigos mais chegados, e
esses momentos precisam ser preservados; com a família do presidente feliz, o Brasil vai ser mais
feliz.
Se eu fosse Marisa, ficava bem
na minha, e continuaria entrando e saindo de todos os lugares de
braço dado com Lula, coisa que
talvez não condiga com o protocolo; afinal, um chefe de Estado
deve entrar na frente -imagino- e a mulher atrás.
Se eu fosse ela, não deixaria que
ninguém mudasse meus hábitos,
meu comportamento, minhas atitudes, não me esqueceria nem por
um minuto que Lula foi eleito para mudar o Brasil, e que exatamente por isso queremos que ela e
nosso novo presidente continuem
exatamente como são.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: Menino de 4 anos se perdeu em SP Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|