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DANUZA LEÃO
Na torcida
Maradona está mal, e devo
confessar que faço parte dos
veneradores do craque.
Sem lição de moral; Maradona
sempre fascinou pela sua coragem, por ter sempre falado e feito
tudo o que teve vontade sem fazer
média com nenhum poderoso da
política ou cartola do futebol.
Maradona era mais ele, e isso se
via quando entrava em campo,
com o peito para a frente, como se
estivesse enfrentando o mundo
inteiro, sem medo de nada. Era
uma força da natureza.
A Argentina cultiva com fervor
seus ídolos, e Maradona, desde
que começou a jogar, passou a ser
um deles. São todos adorados: o
jóquei Leguisamo, Evita, Jorge
Luis Borges, Guevara, Gardel; este, morto há cerca de 70 anos,
continua sendo adorado pelo povo argentino, e seus discos vendem como sempre (há quem diga
que ele está cantando melhor que
nunca). O que eles têm em comum? Por que razão continuam
lembrados? Mérito deles ou dos
argentinos?
Maradona foi o maior jogador
de futebol que a Argentina jamais
teve. Por outro lado, cometeu os
maiores erros que alguém -sobretudo um atleta- pode cometer. Se envolveu profundamente
com as drogas, foi afastado de
uma Copa do Mundo por doping,
foi preso, tentou se curar em Cuba
(sem sucesso), mas continuou
sendo adorado pelo povo, que faz
vigília há dias diante do hospital
em que está internado.
Não dá para entender por que o
médico particular do jogador,
mais sua família, querem tanto
negar que a razão de sua internação tenha sido uma overdose de
cocaína. O mundo inteiro sempre
soube que Maradona era viciado
em drogas, ele nunca negou. Qual
a diferença se ele foi parar no hospital por um problema respiratório ou se exagerou na véspera? Zelar pela sua reputação, a esta altura do campeonato? Imagino
que ele acharia ridículo tal cuidado, ora, ora.
Mas me impressiona muito como uma pessoa que ultrapassou
tantos limites do que é considerado uma vida a ser admirada tenha sido -e continue sendo-
tão adorada por tanta gente. Não
me parece que nenhum colega
seu, brasileiro, desperte essa paixão no público, sobretudo estando fora da profissão. Nem Pelé,
nem Zico, nem Ronaldo, nenhum
deles teria uma multidão na porta do hospital rezando -ou será
que estou errada? Acho que não.
Maradona nunca teve marqueteiro para cuidar de sua imagem,
e está para nascer o gênio que poderia mudar a que ele mesmo
criou, e que não poderia ser pior.
Mesmo assim, ele é venerado em
seu país.
Penso que o que arrebata em
Maradona é a liberdade que
transparece na sua cara, a displicência com que sempre viveu sua
vida, sem dar satisfações a ninguém nem a nada. Não estou fazendo a apologia das drogas, claro, mas também não vou dar
uma de moralista (óbvio) reprovando a escolha que ele fez na vida. Também não vou fazer um
discurso dizendo que ele mereceu
o que está acontecendo: ninguém
no mundo -nem mesmo Maradona- é a favor das drogas.
Quando falo da liberdade e da
displicência do jogador diante da
vida, fantasio que, assim como ele
foi se drogar, poderia ter inventado qualquer outra coisa, como
pescar ou criar cachorros, pois o
sucesso e os milhões que ganhou
nunca foram uma prisão para ele.
Acho que Maradona é o ídolo
que é porque todos gostaríamos
de ser como ele e enfrentar a vida
com o peito estufado, sem medo
de nada, como ele fazia.
Quando esta crônica foi escrita,
Maradona continuava respirando por meio de aparelhos; espiritualmente estou de vigília, na
porta do hospital de Buenos Aires,
torcendo para ele sair dessa.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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