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SEGURANÇA
Corpos e cenas de crimes são adulterados, contrariando a lei e prejudicando a obtenção de provas e laudos
PM paulista não preserva local de homicídio
EDUARDO ATHAYDE
ANDRÉ CARAMANTE
DO "AGORA"
Quando a missão é preservar locais de homicídio, a polícia paulista erra e, por consequência, o
trabalho de obtenção de provas
para a elucidação das mortes é
prejudicado.
Os equívocos cometidos por
policiais de São Paulo foram
constatados pela reportagem depois do acompanhamento de dez
casos de assassinatos ocorridos
na capital entre os dias 15 e 22 deste mês. Em todos eles, as preservações dos locais foram extremamente alteradas.
Segundo o promotor de Justiça
e secretário-executivo do 1º Tribunal de Júri do Ministério Público, Norton Geraldo Rodrigues da
Silva, a falta de preservação do local de um homicídio atrapalha
consideravelmente a identificação do autor do crime.
"Durante um julgamento, na
grande maioria das vezes os jurados e o juiz dão mais importância
a provas materiais do que a testemunhais", revelou o promotor.
De acordo com o Código Penal
Brasileiro, a responsabilidade da
preservação da área de um homicídio é competência exclusiva da
Polícia Militar (PM).
Cabe aos policiais militares, por
exemplo, a obrigação de colocar
fitas para impedir o acesso de familiares da vítima, amigos, curiosos e também da imprensa à cena
do crime.
Em apenas um caso investigado
pela reportagem, o da chacina do
último dia 16, quando três homens foram mortos em um bar
no Campo Limpo (zona sul da capital), a PM utilizou o recurso do
isolamento do local com fitas.
No entanto, policiais da Rota
(Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar), uma tropa de elite da PM
paulista, andaram no estabelecimento comercial, pisaram em poças de sangue e baixaram as portas de aço do local, onde poderiam ter sido deixadas pistas dos
criminosos.
Porém nos outros nove casos,
os policiais militares responsáveis
pela preservação alegaram não
dispor das fitas.
Por lei, os policiais não podem
tocar no corpo, na carteira, no
bolso ou em qualquer objeto que
faça parte do cenário do crime.
Em dois casos, um na favela Heliópolis e outro no Parque Santo
Antônio, ambos na zona sul da
capital, a reportagem constatou
PMs mexendo nos corpos. Em
outro caso, uma perita tropeçou
no corpo de um jovem antes que
ele fosse periciado.
Adulteração
Na prática, o que acontece é que
os PMs tocam propositalmente
no corpo da vítima por curiosidade ou para a constatação de como
a pessoa foi morta, mexem na carteira e nos bolsos do morto à procura de documentos, e, em situações mais extremas, chegam a
modificar a posição em que a vítima morreu.
Um exemplo desse tipo de adulteração de corpo e local de homicídio aconteceu no dia 19 passado,
por volta das 21h45, quando PMs
reviraram os bolsos, puxaram a
camiseta e retiraram a carteira do
bolso da calça de Mário Celso Oliveira da Rocha, 26, morto a tiros e
queimado em seguida em Heliópolis (zona sul da capital).
Tocar ou mudar a posição do
corpo de uma vítima de homicídio também é outro erro frequentemente cometido por PMs ou
parentes dos mortos.
Uma das consequências dessa
atitude é a impossibilidade da perícia de saber com precisão quando a pessoa foi assassinada.
"Nas primeiras 16 horas, o sangue da vítima tende a coagular na
parte mais baixa do corpo. Dependendo da quantidade de sangue coagulado sabe-se há quanto
tempo a pessoa morreu. Agora, se
mexem no cadáver, a posição do
sangue muda e tudo fica comprometido", afirma George Samuel
Sanguinetti Fellows, médico-legista e professor de medicina legal
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
O único autorizado por lei a mexer no corpo é o perito criminal,
que é integrante do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), o órgão da Polícia
Civil responsável pela investigação de crimes contra a vida cuja
autoria é desconhecida.
Ao deixar de isolar o local onde
a pessoa foi assassinada, a PM
contribui para que impressões digitais, pegadas e outras pistas possivelmente deixadas pelo assassino desapareçam ou sejam radicalmente adulteradas.
"É extremamente importante
isolar a área em volta do corpo para que as provas materiais sejam
mantidas intactas. É primordial
que a faixa de isolamento seja colocada, em qualquer local ou caso", afirma Sanguinetti.
E não é só o isolamento que
mantém a cena do crime preservada. Os especialistas consultados
pela reportagem foram unânimes
ao afirmar que o simples fato de
cobrir o corpo com qualquer material, seja jornal, coberta ou lençol, já faz com que provas sejam
substancialmente modificadas.
"A tinta do jornal pode mudar a
tonalidade da pele da vítima ou
encobrir marcas deixadas no corpo", revelou o médico-legista e
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Nelson Massini.
Dos dez casos de homicídios
acompanhados pela reportagem
neste mês, oito tinham sido adulterados pela colocação de panos
ou jornais sobre as vítimas, sempre com autorização dos PMs
-que, pela lei, deveriam impedir
que isso acontecesse.
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