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Para evitar bafômetro, degustador profissional põe mulher para dirigir
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
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Alexandre Bazzo, mestre-cervejeiro de Sorocaba (SP), que precisa que a mulher dirija o carro na volta para a casa após o trabalho
DA REPORTAGEM LOCAL
A lei seca fez bebedores profissionais repensarem a rotina
do "métier" -tanto enólogos e
mestres-cervejeiros quanto
degustadores e até padres, para quem o ganha-pão depende
de doses alcoólicas diárias, estão com medo da proibição.
"Com a lei, qualquer curso
de degustação ficou inviável",
diz Adriana dos Santos, 36, dona da Orbacco Espaço Gastronômico, de São Paulo. "Degustar virou caso de cadeia." Mas
ela achou um jeito de não perder clientes motoristas. Vai
oferecer um curso de vinhos à
prova de lei seca: se um grupo
de quatro pessoas trouxer um
acompanhante que não beba
(batizado de "anjo da guarda"),
esse não paga. "Alguém tem de
se sacrificar."
Em uma degustação como
essa são ingeridas oito doses,
ou uma taça e meia de vinho,
quando uma taça já significa
de 2 dg/l a 5,99 dg/l de álcool
no sangue -ou multa de R$
955, sete pontos na carteira e
perda do direito de dirigir por
um ano, se pego pela polícia.
Por isso "os degustadores
estão assustados", diz o consultor de vinhos Aguinaldo Albert, que, acostumado com casa cheia em seus cursos, na
quarta ficou surpreso com o
baixo quórum em uma degustação. "E agora tem sempre
quem não bebe para dirigir."
Se os amadores têm receio,
os profissionais têm medo. No
dia 1º, a Associação Brasileira
de Enologia fez um teste com
bafômetros para avaliar o impacto alcoólico de uma degustação técnica. Concluiu que a
sessão com dez doses de vinho
sem engolir passa no teste.
"Mas em geral se provam
uns 20 vinhos, tomando um
pouco de cada", diz o presidente da ABE, Carlos Abarzua. Por
isso novos testes serão feitos e
logo os enólogos devem ter
uma recomendação precisa.
Já o mestre-cervejeiro da
produtora Bamberg, de Sorocaba, Alexandre Bazzo, precisa
da mulher para voltar pra casa.
Três vezes por semana (quando começa um barril), ele bebe
até um copo de cerveja -"pouco, mas não dá para arriscar".
Como no caminho de casa tem
blitze, a saída foi pôr a mulher,
que trabalha com ele (e não bebe) ao volante. "Agora degusto
no meio do expediente. Se preciso beber no fim, ela dirige."
O lado "canônico" da lei
"Tomai todos e bebei. Este é
o cálice do meu sangue", diz o
padre, com a taça de vinho erguida para a milenar "transusbstanciação", passo da liturgia católica em que o vinho
vira o sangue de Cristo. "Vinho
e não suco de uva", esclarece o
padre Geraldo Martins, assessor da CNBB. "Para isso é preciso autorização do bispo."
A congregação não alertou
os religiosos oficialmente; diz
que se bebe pouco nas missas.
Mas padres do interior, que
viajam de carro entre as igrejas, estão encucados com o vinho de cada dia -não sabem se
o que bebem é suficiente para
infringir a lei. "Penso muito na
lei seca, como fica o padre depois da missa", diz o padre Joseph Thomas, de Praia Grande
(SP). Ele viaja 150 km por dia
em seu Citroën Xsara Picasso
para dar conta das 14 igrejas
que atende, em até cinco missas por dia. Bebe em todas.
"Não posso viver sem carro",
diz, garantindo que bebe pouco. "Agora um padre que usa
meio cálice e celebra missas de
barriga vazia, se fizer [o teste],
algo pode aparecer."
Por isso o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Joviano de
Lima, incentiva padres a pegarem carona. "Ele deveria pedir
a alguém da comunidade para
dirigir. A Igreja defende a vida,
é preciso seguir a lei que fez
cair o número de acidentes."
Padre Thomas não pega carona, mas mandou comprar
cálices pequenos e ordenou
aos coroinhas que maneirassem na quantidade do vinho.
Ainda assim, continua curioso.
"Tenho vontade de fazer um
teste para me assegurar", diz.
"Ao acabar a missa, quero fazer e tirar a dúvida de vez."
(WILLIAN VIEIRA)
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