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JUSTIÇA
Serviço inédito foi inaugurado na última terça pelo governo paulista; maioria dos casos foi discussão de casais
Morador vira "juiz de paz" na periferia
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Naquela manhã, Benedita Oliveira, 64, saiu de casa com uma
missão difícil: prestar queixa do
próprio neto na delegacia. As discussões entre ambos haviam ultrapassado os limites. Numa briga, ele destruiu o guarda-roupa.
Ela já sentia medo do menino que
havia criado e decidiu denunciá-lo na delegacia que integra o CIC
(Centro de Integração da Cidadania) do Itaim Paulista (zona leste
de São Paulo).
Lá, porém, foi encaminhada ao
serviço de mediação, para o qual
contou sua história. Do outro lado da mesa, quem a ouvia não era
um policial, nem um advogado
ou uma assistente social. Os responsáveis pelo serviço de mediação no órgão estadual são os próprios moradores do bairro
-uma iniciativa inédita no país.
"Nós vivemos na periferia, não
existe ninguém melhor para conhecer os problemas daqui. Nós
falamos a mesma língua", afirma
Aparecido Ramos André, 50, que
mediou a reconciliação de Oliveira com o neto.
O serviço foi inaugurado pela
Secretaria Estadual da Justiça e da
Defesa da Cidadania na última
terça-feira. Entretanto já era realizado em caráter experimental
desde o fim de agosto.
Nesse período, 58 casos foram
atendidos. A maioria relacionada
a brigas de casal, de acordo com a
assistente social Márcia Rosa,
coordenadora do CIC. Mas também não faltam brigas entre vizinhos, proprietários e inquilinos e
"sócios" -como os amigos que
vendiam doces dentro de ônibus e
passaram a divergir sobre a divisão do lucro.
Segundo ela, a mediação é mais
eficiente quando feita por membros da própria comunidade, pois
eles já têm estabelecida entre si
uma relação de confiança.
Ainda assim, os voluntários
precisaram passar por um treinamento de seis meses, iniciado em
fevereiro deste ano, no qual
aprenderam noções de psicologia, sociologia e direito. E, principalmente, ouviram que não cabe
a eles tomar partido ou impor soluções aos envolvidos. A meta é
ajudar as partes a entrarem em
um acordo.
Para o policial militar Daniel Feliz, 42, sua ação como mediador
no CIC o ajudou até a rever seu
método de trabalho na corporação. "Na PM a gente chega, já resolve na hora e vai atender outra
ocorrência. Aqui eu aprendi a importância de ouvir as duas partes
com atenção", afirma.
Além disso, a mediação só é válida para problemas civis. Questões criminais devem ser encaminhadas à Justiça. Nesses casos, o
que o mediador pode fazer é acalmar o ânimo dos envolvidos.
A mediadora Zineide Silva, 38,
lembra o caso de um pai que procurou o serviço furioso com o rapaz que havia engravidado sua filha, de 14 anos. Queria não apenas
processar o rapaz, como dar-lhe
uma surra. "Às vezes, as pessoas
que vêm aqui resolvem dar prosseguimento a processos judiciais,
mas, com a mediação, já vão para
a Justiça de uma forma menos
agressiva", afirma Silva.
Voluntários
Dos 35 moradores que fizeram
o treinamento, 22 deram continuidade ao serviço. Eles atendem
em dupla e se revezam ao longo
da semana, de modo a haver atendimento de segunda-feira a sábado, das 9h às 17h.
O serviço é voluntário, o que
constitui uma preocupação para
alguns dos mediadores, como Zineide Silva, que está desempregada e participa do programa duas
vezes por semana, das 9h às 13h.
"A experiência é muito gratificante, mas eu preciso de emprego e,
se conseguir, a que horas virei? Se
a gente recebesse alguma coisa
aqui, não teria esse problema."
Segundo o secretário da Justiça,
Alexandre Moraes, essa possibilidade não existe. "As pessoas podem ir no fim de semana, no horário de almoço. É uma forma de
eles auxiliarem a comunidade,
não de gerar emprego", disse.
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