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GILBERTO DIMENSTEIN
Vamos virar um país de mendigos oficiais?
Lancei a pergunta que está
no título desta coluna para a
coordenadora do programa Bolsa-Família, Ana Fonseca, responsável pela distribuição, no próximo ano, dos anunciados (embora
ainda não assegurados) R$ 5,3 bilhões aos pobres. Corremos o risco
de viciar famílias em recursos públicos? "É uma questão atordoante", reconheceu.
Para ela, esses recursos são uma
porta de entrada para alguma inclusão dos mais pobres. "Vamos
ter de abrir as portas de saída."
Ou seja, as bolsas não são planos
de aposentadoria nem esmola,
mas mecanismos passageiros para que os indivíduos habilitem-se
a ganhar a vida sem ajuda oficial.
Ana Fonseca comentou que,
sem crescimento econômico, gerando salários e empregos, não há
plano de distribuição de recursos
que funcione. "As bolsas virariam
um saco sem fundo."
Um dos maiores especialistas
em programas de renda mínima,
o economista Márcio Pochmann,
secretário municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade em São Paulo, acha que
nem mesmo o crescimento econômico evitaria um nível do que ele
chama de "dependentismo". O
que, traduzindo, seria a mendicância com dinheiro público
-ou seja, a "bolsa-esmola".
Impossível deixar de considerar
que a bolsa-família, anunciada
pelo presidente Lula na semana
passada, é um avanço de tecnologia social.
Não se sabe ainda como será a
gerência do Bolsa-Família, quantos governadores e prefeitos vão
aderir ao programa nem qual o
montante de recursos disponíveis.
Até agora, o que vemos é somente
o desenho do programa.
Mas o desenho revela uma
preocupação de evitar dispersão
dos recursos, buscando foco.
Mais: estabeleceu-se como meta
integrar o Bolsa-Família aos projetos similares estaduais e municipais. O que é difícil, como admitiu Lula na última quinta-feira,
pela vaidade de governadores e
prefeitos. Esse tipo de "vaidade",
diga-se, fez com que se lançasse
com forte apelo de marketing o
Fome Zero.
Justamente o medo da "bolsa-esmola", aquele dinheiro que se
presta a perpetuar a dependência,
faz com que se exijam contrapartidas. Aposta-se na idéia, sensata,
de que, se a família atentar para a
saúde e a educação dos filhos, haverá, no futuro, mais trabalhadores. "Não é, infelizmente, tão simples", diz Márcio Pochmann, com
o que concorda Ana Fonseca.
Existem segmentos marginalizados há tanto tempo, gerações
que vivem na exclusão, que as
bolsas, mesmo com todas as contrapartidas, não criaram cidadãos autônomos.
Nem mesmo os países ricos - a
começar pelos Estados Unidos-
conseguem escapar dos mendigos
oficiais. Imagine uma nação com
tantos séculos de exclusão e baixo
índice de escolaridade.
Nem é necessário ir para o Nordeste para ver a miséria geracional. Na cidade de São Paulo, há
centenas de milhares de miseráveis que não têm renda, vivem de
favor, trocam trabalho por um
prato de comida ou por um quarto. "A renda mínima foi pensada
para complementar a renda, não
para ser a renda", diz Pochmann.
O nó social está no fato de que o
mercado de trabalho está cada
vez mais exigente, e a educação
pública de qualidade é escassa.
Vemos em todo o país gente com
diploma universitário disputando cargos que, a rigor, não exigiriam nem mesmo o ensino fundamental -vagas, por exemplo, para garis. Descobriu-se até uma
tendência de executivos diminuindo o próprio currículo na
procura por um emprego, temendo serem considerados "qualificados demais" para o posto.
Na semana em que se lançou o
Bolsa-Família, novos recordes de
desemprego foram apresentados
-isso num mês que, tradicionalmente, tende a ser melhor devido
à proximidade das festas de final
de ano. A imensa maioria dos novos empregos criados é informal,
o que faz baixar a renda do trabalhador e reforça relatório do
Banco Mundial, divulgado na
sexta, informando mais uma vez
o fato de que somos o campeão
em desigualdade na América Latina. "Além do crescimento, as
bolsas dependem da melhoria dos
indicadores de saúde e educação", analisa Ana Fonseca.
A miséria, como se sabe, se auto-reproduz; filhos de pobres tendem a ser pobres.
Como se não bastassem todas
essas dificuldades, imensas, prefeitos, governadores e presidente
não conseguem se entender para
coordenar suas ações sociais.
É porque a política, no Brasil,
depende da pobreza assim como
os pobres dependem da esmola
-preferem mendigos a cidadãos.
PS - Mais um indicativo sobre os
efeitos da crise. Será divulgado
nesta semana estudo sobre a classe média da região metropolitana
de São Paulo, feita pela secretaria
municipal do Desenvolvimento,
Trabalho e Solidariedade. De
1992 até 2000, a classe média diminuiu em quase 17%; o número
de pessoas mais ricas aumentou
11%; e o dos mais pobres subiu
42%. O fato é que, hoje, não existe
nenhum grupo político que represente essa classe média, que não
tem direito a nenhum tipo de bolsa, mas já não matricula os filhos
numa escola privada.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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