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URBANISMO
Instituto Pólis, Fapesp e PUC lançam material que tenta traduzir a linguagem dos urbanistas e formar agentes
Jogo de RPG ensina a fazer plano diretor
SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O Instituto Pólis, organização
não-governamental de formação
em políticas sociais, lançou um
jogo do tipo RPG que ensina a elaborar planos diretores, a lei municipal que organiza o crescimento
e funcionamento da cidade.
O grupo de especialistas que
criou o jogo partiu do princípio
de que o planejamento urbano
usa conceitos -como "edificação
compulsória"- que bem poderiam ter sido retirados de um dicionário de javanês.
O RPG integra um conjunto de
materiais didáticos chamado "Kit
das Cidades", que inclui de fitas
de vídeo a CDs com vinhetas de
rádio convocando a população
para o debate, além de cartilhas.
O produto é para aplicação imediata. Qualquer município que
não disponha de quadros técnicos
para elaborar o seu plano diretor
pode obter ajuda seguindo o roteiro proposto no kit.
O material é resultado de uma
pesquisa de três anos que uniu o
Pólis à Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp) e à PUC de Campinas.
O Lincoln Institute of Land Policy de Cambridge (EUA), especializado em políticas urbanas, e a
Caixa Econômica Federal apóiam
a iniciativa. O kit é distribuído
gratuitamente mediante solicitação por ofício ao instituto.
Técnicos também podem pedir
o material, já que na maioria das
vezes o urbanismo impõe dificuldades até para quem atua na área.
Segundo a arquiteta-urbanista
Paula Santoro, que trabalhou em
parceria com o colega de profissão Renato Cymbalista, as peças
do kit foram elaboradas durante
experiências com promotores públicos, lideranças populares, prefeitos e técnicos.
"Em geral, quando você vai falar
sobre legislação urbanística, o desânimo é perceptível. As pessoas
conversam sobre isso querendo
resolver problemas pontuais, como um novo shopping que incomoda o bairro residencial. E o que
se discute é uma visão global da
cidade, que envolve o cumprimento da sua função social", diz.
Nos vários testes realizados com
o material, três cidades paulistas
se destacaram: Guarulhos, administrada por Elói Pietá (PT), Limeira, município no interior administrado por José Carlos Pejon
(PSDB), e Caraguatatuba, litoral
norte, cujo prefeito é Antônio
Carlos da Silva (PSDB).
"O planejamento urbano, no
Brasil, tem tradição de trabalhar
em linguagem cifrada", afirma a
urbanista Raquel Rolnik, coordenadora do projeto.
Em sua avaliação, as discussões
que precedem a elaboração de um
plano diretor não conseguem
mobilizar os técnicos do próprio
governo. "Falta noção de conjunto, quando o que se está discutindo -o destino da cidade- envolve a todos", diz.
Por essa razão, os debates acabam polarizados entre a prefeitura e o setor imobiliário, cujo lucro
futuro depende do que for decidido no plano diretor.
O "Jogo das Cidades", título do
RPG de urbanismo, reproduz esse
e outros conflitos. Inicialmente,
foi planejado algo parecido com o
Banco Imobiliário, jogo no qual
vence aquele que acumular o
maior patrimônio. "O ideal era
não ter vencedor", diz Paula.
Por isso, o gênero escolhido foi
o RPG ("role playing game"), no
qual os participantes têm de interpretar um papel ("role").
Cidadãos e futebol
A aprovação, no ano passado,
do Estatuto da Cidade, lei federal
que regulamenta os artigos 182 e
183 da Constituição, tornou a necessidade de discutir planejamento urbano ainda mais urgente. O
artigo 50 dessa lei obriga municípios com mais de 20 mil habitantes a terem planos diretores e dá
prazo máximo de cinco anos.
O estatuto oferece instrumentos
para uma reforma urbana que garanta acesso à cidade para toda a
população. Entre os mecanismos
está a "edificação compulsória",
que dá direito à prefeitura de forçar proprietários de terrenos
ociosos a utilizá-los, sob pena de
desapropriação paga com títulos
da dívida pública.
O processo de urbanização brasileiro é considerado por especialistas um dos fenômenos mais espantosos do século passado. Em
1960, 44,7% da população vivia
em cidades. Em 2000, essa porcentagem subiu para 81,2%. Resultado: cidades precárias e "injustas", de bairros para ricos com
infra-estrutura de Primeiro Mundo e periferias de países africanos
em processo de guerra civil.
"O estatuto ainda é pouco conhecido", lamenta Raquel Rolnik.
"A utopia maluca é que as cidades
brasileiras serão boas no dia em
que os cidadãos conseguirem discutir urbanismo como se discute
futebol. Eu, por exemplo, acho
complicadíssimo entender o futebol", diz a arquiteta-urbanista.
Onde encontrar - www.polis.org.br;
cdi@polis.org.br; telefone: 0/xx/11/
3258-6121, r. 227
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