|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Fernando Henrique será reconhecido pela história
Os candidatos ao Palácio do
Planalto, inclusive José Serra,
realizaram uma campanha de
oposição e afirmaram, em essência, o seguinte: o país não vai
bem, a crise social é aguda e está
associada ao desempenho do presidente Fernando Henrique Cardoso, em particular, e ao do governo, no geral.
O recorde da taxa de desemprego, divulgado na semana passada, apenas reforça a sensação de
fracasso. Suspeita-se que as dívidas geradas durante a gestão
FHC tenham deixado o país vulnerável e se tenham transformado numa bomba de efeito retardado pronta para explodir nas
mãos do novo presidente.
A imensa maioria da população informa, pelas pesquisas (e
pelos votos nos candidatos à Presidência), que gostaria de mudar,
incomodada com os baixos índices de crescimento econômico,
traduzidos em demissões.
Fim de governo é melancólico
para quem se despede: desaparecem os "amigos" e os bajuladores.
Os assessores, tão solícitos, entram no clima de salve-se-quem-puder, os aliados de ontem viram
os adesistas de hoje, as elites curvam-se aos novos gerentes do poder. Basta ver a rapidez com que
notoriedades empresariais passaram a ver defeitos no governo que
se vai e excelência naquele que está entrando. A melancolia da despedida é ainda maior quando os
cidadãos estão tomados pelo ânimo oposicionista e esperançosos
de uma renovação salvadora.
Vislumbram-se as possibilidades de processos judiciais, a perseguição de procuradores, a revanche de ressentidos -o que é facilitado porque Fernando Henrique
não tem mandato.
Como o novo presidente não vai
ter como atender às expectativas
que nutriu na campanha, é previsível que o antecessor seja apontado, pelo menos por algum tempo, como desculpa para a falta de
boas notícias.
A verdade, porém, é que Fernando Henrique Cardoso será reconhecido pela história como um
político que ajudou no amadurecimento da democracia e, graças
ao controle da inflação, deixou
bases para um crescimento mais
sustentável, acompanhado de
menos desigualdades.
Fernando Henrique está pagando o preço da sua reeleição, quando preferiu postergar, por razões
eleitorais, soluções que teriam
deixado o Brasil menos vulnerável. A fragilidade fez com que sofrêssemos ainda mais os efeitos de
crises internacionais.
Além de seus erros, ele está pagando o preço de ser o presidente
de um país em que tudo o que se
faz é pouco (e ainda vai ser assim
por muito tempo) -talvez ele
sinta que realizou muito para diminuir a pobreza, mas nada que
alterasse substancialmente a selvageria social, nítida na disseminada violência.
Se ele, de um lado, deixa como
herança dívidas e desemprego, de
outro, transformou-se num referencial de elegância democrática,
de capacidade de gerir conflitos
sem perder o equilíbrio, de respeito aos adversários. Tanto é assim
que os candidatos criticaram seu
governo, mas evitaram ataques
pessoais a ele.
Ele melhorou a imagem do Brasil internacionalmente, aprovou
medidas vitais para manter a estabilidade financeira, como a Lei
de Responsabilidade Fiscal, ampliou programas de renda mínima e estimulou, como nenhum
outro presidente, o ensino fundamental.
Neste ano eleitoral, não caiu em
tentações e não fez concessões ao
seu candidato; chegou, até mesmo, a elevar a taxa de juros. Não
é fácil ver esse tipo de gesto em
nosso país.
Difícil, muito difícil, fazer uma
avaliação isenta, objetiva, quando o governo ainda não acabou e
não sabemos quais serão as consequências das heranças negativas deixadas.
Difícil, porém, será deixar de
ver que, com todos os erros, ele receberá da história mais aplausos
do que vaias -e que, por muito
tempo, será um parâmetro de
comportamento civilizado na
Presidência da República.
P.S.- O que eu mais queria foi o
que menos encontrei no governo
que se despede. Não se investiu na
pré-escola, etapa que antecede o
ensino fundamental, para os pobres, algo indispensável para a
formação de bons estudantes e de
bons profissionais, e quase nada
se fez de consistente para uma política de juventude, capaz de amenizar os guetos. A construção de
uma sociedade democrática começa na melhoria da pré-escola.
E-mail - gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Ponto facultativo 2ª pode adiar volta a SP Próximo Texto: Disputa entre perueiros pode ter provocado chacina em São Paulo Índice
|