São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2011

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PASQUALE CIPRO NETO

'Pense diferente(mente)'


Discussões gramaticais à parte, pensar diferente(mente) é mesmo muito bom

RECEBI DA companheira de Folha Denise Godoy (http://denysegodoy.folha.blog.uol.com.br) uma mensagem, da qual transcrevo este trecho: "Eu estava hoje conversando com meu amigo Luiz Calado a respeito de um trecho da biografia do Steve Jobs em que se discute a escolha de determinadas palavras para um discurso, e, diante da dúvida sobre como tal dilema se resolveria em português, decidi lhe escrever. Resumidamente, a discussão é a seguinte: em inglês, não está exatamente correto dizer 'think different' ('pense diferente'), expressão que viria a se tornar o slogan da Apple depois. O certo seria 'think differently' ('pense diferentemente'), porque, se 'diferente' se refere a 'pense', teria que ser usado um advérbio. Porém Jobs queria o 'diferente' mesmo".
Em seguida, Denise me mandou um trecho do livro sobre Jobs (em inglês) em que se discute justamente a questão da diferença entre "different" ("diferente") e "differently" ("diferentemente") como acompanhantes da forma verbal "think" ("pense"). Conhecedor da diferença gramatical entre "different" e "differently", Jobs (diz o livro, numa tradução minha -ai, ai, ai...) "insistiu em que queria 'different' usado como um nome, como em 'pense vitória' ou 'pense beleza', que remete também ao uso coloquial, como 'pense grande'. Jobs mais tarde explicou que...".
Bem, para encurtar a história, Jobs explicou que "discutimos se isso era correto antes de pôr a coisa adiante". Diz ele que a construção é gramatical, "se se pensar no que tentamos dizer". Jobs termina dizendo que para ele "Pense diferentemente" não teria o mesmo alcance.
Essa questão me lembra a discussão sobre a bendita cerveja, que muitos ainda querem que desça "redonda". A Skol (acho) nem usa mais a frase, mas o mundo ainda me pergunta se a cerveja não deveria descer "redonda", se não está errado dizer que ela "desce redondo" etc.
Por acaso a gente não diz coisas como "Ela me olhou torto", "Elas me olharam torto", "Ela/s sempre faz/em tudo muito rápido"? É da nossa língua (e de muitas outras) o uso (mais do que legítimo) do adjetivo que dá origem ao advérbio no lugar do advérbio propriamente dito, ou seja, de "redondo" no lugar de "redondamente" ("A cerveja que desce redondamente"), de "rápido" no lugar de "rapidamente" ("Ela/s sempre faz/em tudo muito rapidamente"), de "claro" no lugar de "claramente" ("Fale claro" em vez de "Fale claramente") etc.
Não vou meter o meu bedelho na língua dos outros (o inglês, no caso), mas sinto-me à vontade para dizer que é perfeitamente compreensível o que Jobs queria -e esse querer não seria diferente se a língua de Jobs fosse o nosso português. De fato, em português a construção "Pense diferentemente" teria apenas um sentido, enquanto "Pense diferente" poderia ter dois (o de "pense diferentemente", ou seja, "pense diferentemente de como pensam os outros, de como pensa a maioria" e o de algo como o que diz Steve Jobs).
Não resisto à tentação de citar Caetano Veloso, que, na genial canção "O Estrangeiro" (de 1989), fez o mesmo em "Pense Seurat e pense impressionista". Seurat, convém dizer, foi um pintor francês (1859 - 1891).
Embates gramaticais à parte, pensar diferente(mente) é mesmo muito bom. Digo isso aos meus alunos desde 1975, isto é, desde que iniciei o ofício de professor. E nunca me cansei de dizer isso aos meus filhos, às pessoas com quem convivo etc. É isso.


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