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DANUZA LEÃO
A casa do meu avô
Meu avô paterno , que se
chamava Herodoto, tinha
dois irmãos, Kociusko e Aristóbulo; sua casa era bem diferente da
casa da minha avó materna.
Eram também 11 tios e tias, mas
todos nervosos, desobedientes,
brigões e barulhentos. Falavam
alto, discutiam e davam grandes
gargalhadas - tudo ao mesmo
tempo. Depois que a minha avó
morreu, meu avô se casou de novo; os três filhos do primeiro casamento odiavam a madrasta, é
claro, e eram correspondidos com
intensidade, coisas de uma família normal. Sendo assim, seus enteados - entre eles meu pai - tinham muita liberdade: para fazer e sobretudo para pensar.
Todos adoravam comer e, como
a casa era perto do mar, havia
sempre grandes peixadas, muito
mexilhão, muito camarão de rio e
de mar e muita lagosta. No quintal, um canteiro só de pimenta
malagueta, e a família se fartava.
Comia-se macarrão com pimenta, ovo frito com pimenta, pão
com pimenta, sempre tirada na
hora, do pé -em conserva, nem
pensar. A pimenta era amassada
com a faca e espalhada sobre o
que se ia comer. Todo mundo saía
da mesa fungando, e meu avô dizia: "Se não chorar, não vale". Os
mais velhos, quando iam à casa
de outros parentes, levavam pimentas num vidrinho, para o que
desse e viesse.
No quintal, um monte de galinhas soltas, e também um galo
grande, lindo, de penas ruivas, e
um galinho garnisé branco. A primeira percepção de vida que senti
-sem entender- foi quando segurei pela primeira vez um ovo
que a galinha tinha acabado de
botar. O ovo era quente, mas um
quente diferente, perturbador;
um quente vivo.
Havia uma mangueira e os
mais novos amarravam um saquinho na ponta de uma vara para tirar as mangas ainda verdes;
as frutas eram massageadas para
que parecessem maduras e vendidas numa rua longe da casa -espertos, os meninos. Quando se comia galinha, o que era raro, era
ao molho pardo, e a garotada não
perdia a cena, com direito a muito cacarejo e muito sangue. A briga na mesa era pela moela, o objeto de desejo de todos. O pescoço
era jogado para um cachorro vira-lata que não não tinha dono e
sempre aparecia para descolar alguma sobra de comida. Ah, na casa desse meu avô nunca se falou
em religião nem nunca ninguém
foi à missa.
Lá não havia muita disciplina;
a madrasta de meu pai não conseguia mandar nos que não eram
seus filhos e, como os dela queriam fazer o que os meio-irmãos
faziam, o resultado era uma confusão permanente. Um dia, a família resolveu se mudar e, quando chegaram à casa nova e contaram, notaram que faltava uma
criança; foi preciso voltar para
buscá-la.
Quando meu avô ficou tuberculoso, o médico recomendou uma
cidade de bom clima, e a família
mudou-se para Barbacena. Fomos visitá-lo uma vez; seu prato,
seu copo e seus talheres eram separados dos dos outros, e não se
podia chegar perto para não pegar a doença. Ele ficava o dia todo
na varanda, triste, numa cadeira
de vime, com as pernas cobertas
por uma manta, tomando leite,
coitado.
Era especial, meu avô, e com ele
não havia essa de economizar nos
sentimentos: quando eu nasci,
mandou fazer meu nome em metal, bem grande, e botou na fachada da casa onde morava. Ah,
meu avô querido.
Depois que ele morreu, a família se dispersou, mas ainda guardo dele a mais linda carta que já
recebi, contando um sonho que
havia tido comigo, querendo me
abraçar e não conseguindo.
O tempo passou, mas ainda sei
trechos dessa carta de cor - e
continuo gostando muito de comer pimenta.
E, como ele dizia, se não chorar,
não vale.
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