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DANUZA LEÃO
As resoluções
No fim do ano é inevitável
fazer um balanço da vida.
Tem sido feliz? O casamento vai
bem? Não estaria na hora de virar
a mesa, antes que seja tarde? E
a coragem?
Sabe que vai passar o final do
ano como passou o último, isto é:
dando aquele beijo da meia-noite
mais por hábito do que por real
prazer, e no fundo, bem no fundo,
não fazendo nenhuma questão de
no próximo Réveillon estar no
mesmo lugar, com o mesmo homem e os mesmos amigos.
Não que a vida esteja horrível,
isso não. Mas sente falta de sentir
coisas tipo angústia, sobressalto,
coração na boca, desespero e loucura por alguém.
Ele é um homem bacana, e muitas mulheres adorariam ter um
como ele. Ela mesma, se estivesse
sozinha, cairia rapidinho nos seus
braços, só que seus braços perderam um pouco a graça.
Bem que ela pensou em enfrentar o 31 sozinha, para começar vida nova sem um só ranço do passado. Pensou, mas e a coragem?
Não será melhor empurrar com a
barriga e deixar para depois das
festas, quando estiver fazendo
menos calor, depois do Carnaval,
da Semana Santa, até o dia do
juízo final?
Não sabe de onde tirou a idéia
de que a vida a dois deve ser uma
eterna lua-de-mel nem onde
ouviu o "foram felizes para sempre". Aliás, sabe sim: foi nos livros
e nos filmes, e ela acreditou. Mas
agora, que faltam só três dias
para a virada do ano, está na
dúvida: joga tudo para o alto -o
que alguns considerariam um ato
de grande coragem -ou se comporta como "deve"?
Só ela sabe o que se passa em
seu coração -isto é, nada; o que
sente quando ele chega em casa
planejando o fim de semana enquanto ela sonha com aventuras,
talvez ser sequestrada por um
marinheiro grego, embarcar para
terras distantes sem nunca mais
dar um só sinal de vida, sem nunca mais lembrar do nome da empregada e do cachorro. Oh, vida.
Para que essas coisas aconteçam, seria preciso que ela desse
um passo, isto é, que abrisse a
guarda, coisa que nunca fez. Mas
e se seus sonhos profundos se realizassem, o que às vezes acontece?
E se ela ficar resfriada num país
misterioso, sem saber como pedir
uma aspirina? E se tiver uma
doença grave? E o plano de saúde? E o pior: e se o marinheiro
-esse que ainda não existe- desaparecer? Ah, cabeça de mulher
não é fácil.
É difícil tomar certas decisões,
sobretudo quando não há uma
razão muito forte para que elas
sejam tomadas. Vamos lá: acabou o amor? Não exatamente; ela
gosta dele, claro que gosta. Gosta
tanto que, se na virada do ano, na
hora em que todos se desejam felicidades, surgisse uma mulher
maravilhosa, uma deusa, que se
jogasse em cima dele, ela ia sofrer,
e muito. Ou não?
Sofrer só não: começa a pensar
no que seria capaz de fazer com
essa vadia que ousou olhar para
seu marido. Seria capaz de fazer
não: o que vai fazer. Só de pensar
é capaz de mudar de planos, esquecer aquela festa animada e
passar a noite do 31 numa praia,
só os dois, que delícia.
No espaço de uma hora, sentada na mesma cadeira, ela passou
da mais profunda depressão à
mais justificada revolta e chegou
à mais delirante das felicidades.
Um perigo, a imaginação
feminina.
Estarei fora por quatro semanas. Feliz 2004.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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