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São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

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DANUZA LEÃO

As resoluções

No fim do ano é inevitável fazer um balanço da vida. Tem sido feliz? O casamento vai bem? Não estaria na hora de virar a mesa, antes que seja tarde? E a coragem?
Sabe que vai passar o final do ano como passou o último, isto é: dando aquele beijo da meia-noite mais por hábito do que por real prazer, e no fundo, bem no fundo, não fazendo nenhuma questão de no próximo Réveillon estar no mesmo lugar, com o mesmo homem e os mesmos amigos.
Não que a vida esteja horrível, isso não. Mas sente falta de sentir coisas tipo angústia, sobressalto, coração na boca, desespero e loucura por alguém.
Ele é um homem bacana, e muitas mulheres adorariam ter um como ele. Ela mesma, se estivesse sozinha, cairia rapidinho nos seus braços, só que seus braços perderam um pouco a graça.
Bem que ela pensou em enfrentar o 31 sozinha, para começar vida nova sem um só ranço do passado. Pensou, mas e a coragem? Não será melhor empurrar com a barriga e deixar para depois das festas, quando estiver fazendo menos calor, depois do Carnaval, da Semana Santa, até o dia do juízo final?
Não sabe de onde tirou a idéia de que a vida a dois deve ser uma eterna lua-de-mel nem onde ouviu o "foram felizes para sempre". Aliás, sabe sim: foi nos livros e nos filmes, e ela acreditou. Mas agora, que faltam só três dias para a virada do ano, está na dúvida: joga tudo para o alto -o que alguns considerariam um ato de grande coragem -ou se comporta como "deve"?
Só ela sabe o que se passa em seu coração -isto é, nada; o que sente quando ele chega em casa planejando o fim de semana enquanto ela sonha com aventuras, talvez ser sequestrada por um marinheiro grego, embarcar para terras distantes sem nunca mais dar um só sinal de vida, sem nunca mais lembrar do nome da empregada e do cachorro. Oh, vida.
Para que essas coisas aconteçam, seria preciso que ela desse um passo, isto é, que abrisse a guarda, coisa que nunca fez. Mas e se seus sonhos profundos se realizassem, o que às vezes acontece? E se ela ficar resfriada num país misterioso, sem saber como pedir uma aspirina? E se tiver uma doença grave? E o plano de saúde? E o pior: e se o marinheiro -esse que ainda não existe- desaparecer? Ah, cabeça de mulher não é fácil.
É difícil tomar certas decisões, sobretudo quando não há uma razão muito forte para que elas sejam tomadas. Vamos lá: acabou o amor? Não exatamente; ela gosta dele, claro que gosta. Gosta tanto que, se na virada do ano, na hora em que todos se desejam felicidades, surgisse uma mulher maravilhosa, uma deusa, que se jogasse em cima dele, ela ia sofrer, e muito. Ou não?
Sofrer só não: começa a pensar no que seria capaz de fazer com essa vadia que ousou olhar para seu marido. Seria capaz de fazer não: o que vai fazer. Só de pensar é capaz de mudar de planos, esquecer aquela festa animada e passar a noite do 31 numa praia, só os dois, que delícia.
No espaço de uma hora, sentada na mesma cadeira, ela passou da mais profunda depressão à mais justificada revolta e chegou à mais delirante das felicidades.
Um perigo, a imaginação feminina.

 

Estarei fora por quatro semanas. Feliz 2004.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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