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DANUZA LEÃO
Seria bem melhor
Eles foram felizes? Até foram; mas o que sobrou de todos esses anos de tanto amor,
aprendizado, tentativas, esperas,
angústias, noites bem e maldormidas, alegrias intensas e depressões atrozes, traições horrendas
(dele) e vinganças inconfessáveis
(dela)? O que sobrou, afinal?
Lembranças? É pouco, considerando o que foi esse romance.
Nem filhos tiveram, para poder
dizer que esses ficaram. Algumas
cartas, fotos (escrito atrás "eu
amo essa mulher"), a conta de
um hotel onde estiveram um dia.
Bem pouco, convenhamos, e
na hora em que você está só e triste, ter de que lembrar é ainda pior
do que ficar no vazio total. Por
isso a prudência manda: acabou,
não tem mesmo volta? Então vamos rasgar todas as provas
concretas do que existiu e não
existe mais, para não ter a tentação, num domingo de chuva, de
abrir aquela caixa de madeira e
passar a vida a limpo.
Fica pensando: adianta ter sido
feliz? Chega à conclusão de que é
o passado que a Deus pertence,
porque a memória só serve para
martirizar -ou porque as lembranças são boas, ou porque são
péssimas. As boas fazem a gente
sofrer porque dão saudade, mas
não levam ninguém a um estado
de felicidade; já se pensar nas
ruins vai para o fundo do poço
-e por dias seguidos.
Que foi bom, lá isso foi; havia
dias em que ele ligava do escritório só para dizer, meio sem jeito,
que não estava conseguindo trabalhar de tanto que pensava nela.
Com os olhos brilhando e o coração na boca, ela respondia que
também não -e o melhor é que
era tudo verdade.
Vai mesmo jogar tudo fora? Até
pode, mas não adianta, porque
está tudo dentro da cabeça; bom
mesmo seria perder a memória.
Continua pensando: se tivesse
passado a vida com o famoso coração fechado, não estaria ali
agora lembrando, como uma tonta, do quanto já foi feliz -não só
com aquele, mas com muitos
outros. E se pensar muito, vai
descobrir que não tem saudades
só dos tempos felizes, mas de
todos os tempos passados, quando se martirizava em casa se
achando apaixonada e pensando
que não podia viver sem ele
-fosse ele quem fosse.
O problema está nela, que perdeu a capacidade de inventar
paixões. Aos 25, ela olhava para
um certo tipo de homem e o coração batia desordenadamente.
Aos 35, quando cruzava com
um que poderia, eventualmente,
dar pé, ela examinava com mais
calma e já radiografava seu
coração -e poucos resistem
a um exame desses.
Hoje, mesmo sem querer, em alguns segundos faz uma tomografia computadorizada da alma
daquele homem que 20 anos antes a teria feito tremer nas bases. E
aí não dá, é claro.
Se pudesse mudar alguma
coisa, mudaria ela mesma. Seria
mais feliz se continuasse boba,
ingênua, se fosse menos aguda
nas suas avaliações, menos
ferina nos seus julgamentos. Menos lúcida, sobretudo.
Mesmo sabendo que não é a
rainha da cocada preta e que
muitas vezes pode estar enganada, costuma acertar. E como
sabe disso? Quando vê os erros
dos amigos, erros que desde
o primeiro momento estavam
claríssimos para ela.
A felicidade só é boa quando está acontecendo no tempo presente; se existiu no passado, não resolve rigorosamente nada.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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