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Depoimento
'Dei uma piscada mais longa perto do pouso', diz comandante
DE SÃO PAULOSob anonimato, um comandante de uma grande companhia aérea brasileira revelou à Folha que já "pescou" algumas vezes na cabine de comando, por cansaço.
Eis o depoimento dele:
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"A última vez que aconteceu comigo [de dormir involuntariamente] foi em dezembro, numa descida para o aeroporto de Guarulhos.
Era por volta de meio-dia e eu estava voando desde as 3h, e já vinha trabalhando havia três madrugadas seguidas, acho. Eu ficava olhando para os instrumentos do avião, parecia hipnose, e dei uma piscada mais longa.
Aí perguntei para o copiloto se ele estava bem e pedi para ele assumir o avião [e pousá-lo em Guarulhos]. Ele percebeu e me ajudou.
Ao falar com o controle de tráfego, eu repetia tudo três vezes, porque não prestava atenção no que eu dizia.
Os passageiros pensam que, quando o avião voa, o piloto fica o tempo todo com a mão no comando, mas não é assim. Ele é um gerenciador de números. O avião está em piloto automático, e o trabalho é ficar monitorando.
Os aviões hoje são muito automatizados. A ironia é que a automação vem para ajudar, mas acaba atrapalhando. Em voos de cruzeiro, com baixa carga de trabalho, você fica entediado --e dá sono.
Quando a jornada começa de madrugada, bate um sono lá pelas 8h. Está tudo tranquilo, o tempo bom e, quando percebe, dá aquelas piscadas mais longas. Aí, quando abre o olho dá um susto e pensa: onde é que eu estou?
Às vezes o passageiro acha que a gente não tem comprometimento. A gente sofre também --e somos os mais interessados na segurança."