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Ex-presidente do BC diz que o país viverá período difícil no primeiro semestre de 2003, qualquer que seja o eleito
Turbulência continua após eleição, diz Eris
DO PAINEL S.A.
O consultor econômico Ibrahim Eris, 57, presidente da Eris
Consultores, faz um alerta. As turbulências na economia não irão
acabar com a eleição do novo presidente. Seja quem for o candidato eleito, o Brasil viverá um período conturbado na economia que
pode se estender por até 180 dias
depois da posse -durante o primeiro semestre de 2003.
Eris diz isso com autoridade. Ele
foi o primeiro presidente do Banco Central do governo Fernando
Collor, nos anos de 1990 e 1991, no
período do confisco. "Olha, prepare-se, mas dá para passar."
Por isso, Eris sugere que o Banco Central deixe o máximo possível de reservas para o novo governo. Caso contrário, o novo presidente terá de, outra vez, bater à
porta do FMI (Fundo Monetário
Internacional).
(GUILHERME BARROS)
Folha - O que o sr. acha que vai
acontecer com o dólar?
Ibrahim Eris - O dólar está mais
ou menos estabilizado na faixa de
R$ 3 a R$ 3,10 [na sexta-feira fechou em R$ 3,01". Houve uma nítida melhora nesses últimos dias,
em consequência da viagem da
equipe econômica aos Estados
Unidos e das novas pesquisas eleitorais. Isso se refletiu na diminuição da volatilidade do dólar, mas
o cenário ainda é muito difícil.
Obviamente, nos atuais preços do
dólar, as contas externas melhoram com o dólar mais caro. É para
isso que existe o câmbio flutuante.
Acho saudável esse movimento.
A alta do dólar está provocando
um ajuste no balanço de pagamentos. Só não vamos cair no erro de achar que os problemas foram resolvidos. Claro que esse
ajuste forçado tem um custo para
a economia. Sem dúvida, trata-se
de um ajuste com um componente de dor. Um exemplo é a inflação, que está sendo pressionada.
Não é nada fantástico, mas se
olharmos a inflação dos últimos
12 meses, ela se situa hoje numa
faixa entre 7% e 8%. Outro custo é
para as empresas, principalmente
aquelas endividadas em dólar.
Não há dúvida de que as contas
públicas também pioram num
primeiro momento.
Folha - Com esse ajuste, a tendência não é o dólar cair?
Eris - Hoje, fazer uma previsão
para o dólar é uma temeridade.
Há muitos fatores que precisam
ser definidos, o que torna difícil
fazer um prognóstico. Uma coisa
é certa: as incertezas permanecerão conosco ainda por algum
tempo. Esta eleição é totalmente
aberta. Não há uma tendência definida. Todos os candidatos, inclusive o José Serra, o preferido do
mercado, prometem mudanças
na política econômica. E até que
essas alterações fiquem claras para os agentes econômicos, especialmente para os de fora do Brasil, continuaremos numa situação
de indefinições. Pessoalmente,
acho que as incertezas irão permanecer até 180 dias depois da
posse do novo governo. Mesmo
com Serra, a nova equipe econômica certamente irá trazer novos
conceitos, novas políticas, e será
praticamente inevitável um período de turbulência. Acho que o
dólar ainda ficará pressionado
por algum tempo.
Folha - O sr. acredita na volta das
linhas de crédito externas?
Eris - Não haverá novas linhas de
crédito no curto prazo. Há, hoje,
uma fuga de risco no mundo. Por
isso, não haverá disponibilidade
de recursos para o Brasil. O Brasil
é um dos grandes demandantes
de recursos no mundo. A necessidade do país, para amortização da
dívida e para cobrir o déficit em
conta corrente, gira em torno de
US$ 50 bilhões por ano. Neste
momento de incertezas na economia americana, com aversão ao
risco, o Brasil terá dificuldades
para financiar seu balanço de pagamentos. Esse quadro não deve
se alterar com as reuniões da
equipe econômica com os grandes bancos americanos e europeus. O mercado financeiro pode
até se sentir confortado com essas
visitas, mas elas não resolvem o
problema. O que vale mesmo é
que a avaliação dos bancos internacionais, neste momento, não é
favorável ao Brasil. O resultado da
viagem de [Pedro" Malan e de Armínio [Fraga" foi o melhor possível para o momento, embora eles
somente tenham conseguido um
compromisso informal dos bancos de não reduzir mais as linhas
de crédito. Seria um erro pedir algo mais do que isso.
Folha - O sr. acha que há o risco de
o Banco Central queimar as reservas para conter a alta do dólar?
Eris - Acho que aí há um problema sério que o Banco Central tem
de tomar muito cuidado. O BC
não pode trabalhar com a hipótese de que tudo irá se resolver depois das eleições. Seria um grande
erro. O BC tem a obrigação de trabalhar com cenários pessimistas.
Não cabe ao BC ser otimista. O BC
tem de considerar sempre os piores cenários para a economia, ainda mais que existe de fato uma
grande possibilidade de tensão
que não pode ser desprezada,
principalmente nos primeiros 90
a 180 dias do novo governo. Por
isso, o BC tem de deixar o maior
volume de reserva líquida possível para o novo governo. Hoje, cada real gasto pelo [atual" governo
é mais um passo dado para jogar
o novo governo nos braços do
FMI no seu primeiro dia de trabalho. Eu preferiria que o BC deixasse o dólar flutuar do que gastar as
reservas para manter a moeda
num determinado patamar. Nessa área, há um conflito claro entre
este governo e o próximo. Acho
que o melhor seria dosar a venda
de dólares neste período e permitir o câmbio flutuar até para patamares mais altos, se for necessário. O ideal seria que o BC deixasse para o próximo governo as reservas num valor substancialmente acima dos US$ 5 bilhões do
piso acertado com o FMI. Isso
permitiria que o novo governo tivesse tempo para se organizar até
ganhar a confiança dos mercados.
O país deve sofrer mudanças na
política econômica e isso exigirá
tempo de adaptação por parte dos
agentes econômicos.
Folha - O sr. viveu isso?
Eris - Olha, prepare-se, mas dá
para passar.
Folha - O sr. acredita que o novo
governo terá de procurar o FMI?
Eris - Dependendo do nível de
reservas líquidas que forem deixadas para o próximo governo, e
dependendo do estado dos mercados internacionais na ocasião,
isso é perfeitamente viável de
acontecer. Nossas reservas líquidas hoje estão razoavelmente baixas, um pouco menores do que
US$ 22 bilhões. Assim, se esse governo gastar dólares num ritmo
forte, como ocorreu nos últimos
dois meses, na tentativa de conter
a moeda, o novo governo corre o
risco de ficar sem outro caminho
a não ser o rumo do FMI.
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