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ENTREVISTA
Stanley Fischer, ex-número dois do FMI, diz que preço será menor se o próximo governo manter atual política econômica
"País terá de pagar um preço pelo ajuste"
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Não há ilusão. Sejam quais forem as medidas econômicas do
próximo presidente brasileiro, o
país terá de pagar um preço para
ajustar suas contas externas e
controlar sua dívida.
A opinião é do vice-presidente
do Citigroup, Stanley Fischer, segundo o qual o preço desse ajuste
será muito mais baixo se o próximo governo mantiver e consolidar a política econômica da atual
administração.
Fischer disse que nenhuma medida econômica será capaz de induzir o crescimento do país por
meio de estímulos fiscais e monetários e alertou que a inflação não
pode ser vista pelos candidatos no
Brasil como um meio de expurgar
a dívida doméstica.
Em entrevista à Folha na sede
do Citigroup, em Nova York, o
economista disse ainda que os
bancos internacionais optaram
por um compromisso informal
de manutenção das linhas de crédito ao país, na última segunda-feira, por duas razões: o governo
brasileiro não quis envolver forçosamente os bancos e não fazia
sentido formalizar um acordo,
instituindo-se prazos no meio de
um processo eleitoral.
Vice-diretor-gerente do FMI
(Fundo Monetário Internacional)
entre 1994 e 2001, Fischer nasceu
na Zâmbia (África) há 59 anos e
naturalizou-se norte-americano.
Foi chefe do Departamento de
Economia do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e
economista-chefe do Banco Mundial, entre 1988 e 1990.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - Apesar de adotar políticas
monetária e fiscal elogiadas pelos
mercados, o Brasil produziu déficits em conta corrente enormes durante todo o Plano Real. Mesmo
agora, com o dólar acima de R$ 3, o
país projeta um déficit de US$ 17
bilhões para esse ano, embora as
contas externas tenham apresentado uma ligeira melhora. O sr. se
surpreendeu?
Stanley Fischer - Sabia que uma
das maiores diferenças entre economias da América do Sul e da
Ásia era a capacidade de os países
asiáticos ajustarem-se de forma
mais rápida depois de desvalorizações cambiais. O México também foi capaz de fazê-lo de forma
rápida, em 1995, diferentemente
do Brasil. Eu sabia disso, mas confesso que a reação lenta no resultado da conta corrente brasileira
foi, provavelmente, o aspecto
mais surpreendente e decepcionante do ajuste do país. Essa reação está ocorrendo agora, mas demorou para vir.
Há uma hipótese que explica essa demora. O Brasil administrou
seu período pós-desvalorização
melhor que outros países. Seu PIB
começou a crescer logo após a
mudança no câmbio, com uma
política monetária muito bem administrada. Talvez o preço desse
crescimento tenha sido justamente a postergação do ajuste na conta corrente do país.
Folha - No debate da campanha
eleitoral brasileira, verificam-se
uma rejeição quase unânime ao rigor fiscal excessivo e promessas de
redução dos juros. Alguns economistas até sugerem que uma inflação maior poderá ajudar o governo
a pagar parte de sua dívida doméstica. O que o sr. acha dessas idéias?
Stanley Fischer - É uma ilusão
pensar que, se um país conduzir
sua política monetária de curto
prazo com mais liberdade, reduzirá indireta e significativamente
as taxas de juros da dívida doméstica. O que guia as taxas de juro é a
percepção dos mercados globais
sobre o crédito de um determinado país. Todos ficaríamos satisfeitos se o Brasil pudesse reduzir os
juros de uma só vez, mas, se isso
for feito sem que se mantenha a
inflação sob controle - em outras palavras, se tentarem cortar
os juros da dívida doméstica por
meio da inflação-, haverá uma
piora sensível na percepção dos
investidores domésticos.
Folha - O senhor não acha que há
limites políticos, sociais e econômicos para esforços fiscais? Qual é o
superávit primário (receita menos
despesa sem contar gastos com juros da dívida pública) máximo que
um país pode obter para pagar sua
dívida?
Stanley Fischer - É muito difícil
dizer. Há países na economia global que obtiveram superávites
além dos imagináveis. A Turquia
saiu de um déficit primário de 2%
para um superávit de 6,5% em
dois anos. Embora seja uma nação pequena, a Jamaica também
obteve um superávit primário
surpreendente, de mais de 11% do
PIB.
Quando eu estava no FMI, ao
receber os ministros da Turquia e
da Jamaica, expus a eles o grave
problema de suas dívidas. Eles
responderam que as pagariam.
Eu respondi que o esforço fiscal
necessário seria politicamente inviável. Eles disseram: "É politicamente viável e nós vamos provar
para você." E provaram. É muito
difícil julgar, de fora, esse tipo de
decisão. Se perguntarmos aos turcos e aos jamaicanos, eles dirão
que fizeram a coisa certa.
O desafio é comparar o custo do
esforço fiscal ao custo de não fazer
esse esforço e, por último, ao custo de reestruturar forçosamente a
dívida. Na verdade, trata-se de
um dilema político, não econômico. Há poucas questões econômicas nesse dilema. Em termos de
crescimento, os efeitos keynesianos normais de um estímulo fiscal
seriam severamente reduzidos
pelo impacto das taxas de juro. Se
você morar numa economia sobre a qual pairam dúvidas sobre a
capacidade de pagamento da dívida, você terá taxas de juro altas
que reduzirão o crescimento.
Se você tiver um superávit primário maior e com ele retirar as
incertezas sobre o pagamento da
dívida, os juros vão baixar, afetando positivamente o crescimento,
mas impactando-o negativamente por meio da economia fiscal. A
questão é descobrir qual será o resultado líquido desses dois fatores. Pessoalmente, estou absolutamente convencido de que vale a
pena fazer um esforço fiscal.
Folha - O atual governo brasileiro
tem duas características contraditórias: nos últimos oito anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi três vezes ao FMI e criou uma
dívida pública enorme. Ao mesmo
tempo, nesse mesmo período, obteve apoio político para reformas
econômicas importantes, como o
saneamento dos Estados e a responsabilidade fiscal. Qual dos dois
legados terá mais efeitos sobre o
futuro da economia brasileira?
Stanley Fischer - Houve um
avanço gigantesco nos últimos oito anos. Uma das maneiras de
abordar o assunto é lembrando
de algumas das crises do começo
do primeiro mandato do presidente, quando, a cada semana,
um governo estadual, um banco
estadual ou uma decisão judicial
criava crises enormes. Limpar as
finanças estaduais, privatizar os
bancos estaduais e implementar
um sistema fiscal que trouxe coerência às finanças regionais foram
avanços essenciais. Poucas pessoas lembram-se disso agora porque estamos num novo período
de turbulências, mas trata-se de
um legado precioso.
Quanto à dívida, ela também é
produto de uma decisão corajosa
de reconhecer, de forma transparente, as dívidas escondidas, os
esqueletos. Eu gostaria que o arcabouço da política monetária se
desenvolvesse mais sob o ponto
de vista institucional, com a aprovação de leis sobre a independência do Banco Central. Mesmo assim, foi surpreendente ver como a
economia partiu de uma situação
na qual estava constantemente à
beira da hiperinflação para outra,
na qual preços estão sob controle
e pessoas nas ruas conhecem exatamente o custo social do descontrole monetário.
Se a próxima administração
mantiver as conquistas da administração anterior, avançar na
consolidação e normatização da
política monetária e vencer as dúvidas sobre a dinâmica da dívida,
aí sim poderá atingir a mesma situação a que o Chile chegou entre
1990 e 1994. O México está perto
desse ponto.
Folha - Por que o governo brasileiro e os bancos privados optaram
por um simples compromisso genérico de manutenção dos negócios
no país? Por que não foi firmado
um acordo com datas e valores, como o de 1999?
Stanley Fischer - O governo brasileiro e o presidente do BC (Banco Central), Armínio Fraga, têm
experiência nesse assunto. O Brasil não gosta de formalização, de
acordos que possam parecer não
voluntários. Também não gostam
da idéia de controles de capital, de
envolvimento forçado do setor
privado. Entendo a posição brasileira. Mas isso também seria complicado porque há eleições no
meio do caminho. No entanto,
acho que o compromisso foi muito bom para a economia brasileira, principalmente quanto à manutenção das linhas de crédito
privadas.
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