São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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TRABALHO EM XEQUE

Leôncio Martins Rodrigues defende fim de contribuição e afirma que instituição está fadada ao declínio

Sindicato só é bom para poucos, diz professor

Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, da Unicamp


DA REPORTAGEM LOCAL

A estrutura sindical brasileira oferece muitas vantagens aos diretores de sindicatos e só beneficia um grupo pequeno de associados. A afirmação é do professor Leôncio Martins Rodrigues, 68, titular do Departamento de Ciências Políticas da Unicamp.
"Se o novo governo não mexer nisso, os sindicatos-fantasmas vão continuar se multiplicando. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, deveria acabar com a contribuição sindical e o monopólio de representação. As duas medidas já provocariam uma tempestade no movimento sindical", diz Rodrigues. A seguir, os principais trechos da entrevista.
(FF)

Folha - A estrutura sindical brasileira precisa mudar?
Rodrigues -
Depende. Se você perguntar isso aos dirigentes sindicais, eles vão dizer que não. Isso porque o atual modelo oferece aos diretores de sindicatos muitas vantagens. Eles têm quatro fontes de renda (as contribuições sindical, assistencial e confederativa, além das mensalidades) sem fazer esforço. Agora, se você perguntar aos trabalhadores, a resposta pode ser outra. A maioria dos trabalhadores não está filiada aos sindicatos, mas todos forçosamente têm de contribuir para mantê-los.

Folha - É preciso modernizar a estrutura sindical do país?
Rodrigues -
Sim, pois, do ponto de vista da defesa dos trabalhadores, ela não cumpre seu papel, só beneficia um pequeno grupo de associados. Exemplo: só pode frequentar as colônias de férias dos sindicatos o trabalhador sindicalizado. Só que, se todos os trabalhadores se sindicalizarem, estoura o orçamento dos sindicatos. Assim, como têm renda garantida, é melhor que não haja grande adesão de trabalhadores.

Folha - O sr. acredita que a estrutura sindical vá mudar com o PT?
Rodrigues -
Se ele não mexer nisso, os sindicatos vão continuar se multiplicando. Acho difícil o Lula conseguir mudar alguma coisa, pois existem muitos interesses contrários à reforma -e não só de empregados, mas também de empregadores. Dezenas de milhares de pessoas sobrevivem da estrutura dos sindicatos de hoje.

Folha - Como deveria ser?
Rodrigues -
Acho que deveriam acabar a contribuição sindical e o monopólio de representação. Essas duas medidas já provocariam uma tempestade no movimento sindical. A contribuição sustenta um bando de sindicatos que são fantasmas, e a unicidade não permite a concorrência. Mas colocar isso em prática não será fácil.

Folha - Por quê?
Rodrigues -
A Constituição tornou essa estrutura muito vantajosa para todos os diretores de sindicato. O Ministério do Trabalho controlava os sindicatos, que não podiam fazer greve, a não ser em condições muito restritas, e podia intervir a qualquer momento, e até mesmo destituir uma diretoria. A Constituição manteve todos os aspectos que são vantajosos para os dirigentes, como as fontes de renda e o monopólio de representação, mas eliminou o controle do Ministério do Trabalho, fortalecendo os elementos corporativos. Não interessa mais aos sindicalistas mudar a Constituição, nem mesmo aos ligados à CUT.

Folha - Os dirigentes da CUT, a central mais afinada com o PT, devem resistir à reforma sindical?
Rodrigues -
Não abertamente, mas vão resistir sim porque a situação é muito cômoda para eles. Essa estrutura que está aí hoje é claramente fascista, foi idealizada por Mussolini. É o modelo de todos os países de regime autoritário, com inspiração fascista, como Portugal, Espanha e Alemanha. Mas não quero dizer que o modelo democrático não tem problemas. Na Inglaterra, que era um país democrático até o governo de Margareth Thatcher (ex-primeira-ministra britânica), o trabalhador tinha de se filiar num dos sindicatos com que a empresa negociava. Se não o fizesse, o sindicato obrigava a empresa a despedi-lo. Thatcher acabou com isso e provocou forte reação dos sindicatos.

Folha - A forma de sustentação dos sindicatos no Brasil é muito diferente da do resto do mundo?
Rodrigues -
É, sim. Na França, existe um sistema de coleta de mensalidades, mas que é ineficiente. O sindicato tem de fazer com que o dinheiro das mensalidades dos trabalhadores chegue ao caixa da instituição e, para isso, cobra pessoalmente do trabalhador pelo sistema de selo. Mas, como os sindicatos não são muito organizados, o dinheiro não chega ao caixa. Nos Estados Unidos, onde os salários e as condições de trabalho são negociadas, o empregador já deposita a mensalidade na conta do sindicato.

Folha - A taxa de trabalhadores sindicalizados está em queda no Brasil. Qual a razão?
Rodrigues -
Primeiro, porque os setores nos quais o emprego se expande não são os setores nos quais os sindicatos têm força. Os sindicatos dos trabalhadores do setor têxtil, por exemplo, não têm tanta importância como no passado. O sindicato dos metalúrgicos também está sofrendo o impacto das mudanças tecnológicas. O setor que está abrindo emprego é o de serviços. Só que os trabalhadores desse setor não têm interesse em se sindicalizar. Preferem negociar diretamente com o patrão. Os trabalhadores que mais precisam de sindicato são aqueles que têm baixa qualificação.

Folha - A falta de interesse dos trabalhadores pelos sindicatos acontece só no Brasil?
Rodrigues -
Não, isso acontece no mundo todo. Os sindicatos são uma instituição condenada ao declínio. As novas áreas nas quais o emprego cresce não são áreas que favorecem a sindicalização. Uma das razões é a desconcentração de empresas, o que estamos vendo acontecer nos últimos anos com a indústria automobilística e com a metalúrgica. Além disso, o poder de fogo das empresas aumentou com a elevação do desemprego. Os sindicatos perdem poder de barganha e capacidade de mobilização porque as empresas ameaçam cortar mais funcionários.

Folha - O governo petista quer a participação dos sindicatos nas reformas tributária e previdenciária. O que o sr. acha disso?
Rodrigues -
Alguns teóricos acham que a salvação do sindicalismo não é só fortalecer a representação de uma categoria profissional. A salvação passa por levantar outras bandeiras, como a da cidadania, o que significa denunciar discriminação racial ou perseguição ao imigrante. Isso poderia permitir que o sindicato tivesse um outro papel no mundo contemporâneo. O Lula está levantando isso. Agora é preciso ver se é possível fazer isso aqui. Com a atual legislação, não é possível.

Folha - Comenta-se entre os próprios sindicalistas que existe forte esquema de corrupção no meio sindical. Por quê?
Rodrigues -
A corrupção dentro do sindicato está relacionada com o grau de corrupção dentro da sociedade. No Brasil, onde há corrupção na política, nos negócios e na Igreja, há também no meio sindical. No caso dos sindicatos, existe um conselho administrativo que deveria vigiar os passos da diretoria, mas isso não é feito. Em época de glória, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo teve um orçamento maior do que o da maioria dos municípios do país. Observe: alguns sindicalistas têm até chofer, como os empresários.


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