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ARTIGO
Família Agnelli deve perder o controle da Fiat para estrangeiros
PAUL BETTS
DO "FINANCIAL TIMES"
Se os Agnelli forem forçados a
vender a divisão automobilística da Fiat, uma possibilidade
que eles reconheceram em público pela primeira vez na semana
passada, a cortina cairá sobre
uma saga única e anacrônica de
capitalismo familiar à italiana.
Por mais de um século, a Fiat
ajudou a fazer dos Agnelli -liderados por Giovanni Agnelli, 81, o
patriarca da família- a resposta
européia à dinastia Ford dos Estados Unidos.
Além disso, a importância da família na Itália e o carisma pessoal
de seus membros fizeram dela o
coração de uma rede de elos empresariais e políticos que transformou os Agnelli em príncipes da
indústria italiana. Sem a divisão
automobilística, o poder e influência da família talvez desapareçam, deixando um rombo na
estrutura corporativa italiana.
Se a Fiat terminar sob controle
estrangeiro -mais provavelmente o da General Motors-, seria
um embaraço para o governo de
Silvio Berlusconi em um momento em que o primeiro-ministro luta por adotar leis trabalhistas mais
flexíveis e incentivar o emprego.
"A questão chave é determinar se
a Itália será capaz de manter uma
indústria automobilística própria
ou se terá de abdicar dela em benefício dos norte-americanos",
diz assessor da família Agnelli.
Venda de ações
A Fiat já assinou um contrato de
opção para a venda de 80% das
ações de sua divisão automobilística à General Motors, depois de
2004. "A questão é determinar se
a venda será acelerada e, caso seja
esse o caso, se os novos proprietários manteriam intactas as operações automobilísticas da Fiat na
Itália", diz industrial de Turim.
As operações automobilísticas
da Fiat mantêm 36 mil funcionários diretos e criam outros 100 mil
empregos indiretos na Itália.
Estima-se que elas respondam
por cerca de 1,5% do PIB do país.
Mas a divisão de automóveis da
Fiat jamais se recuperou da abertura do mercado italiano aos concorrentes japoneses. As montadoras estrangeiras erodiram a fatia da Fiat em seu mercado doméstico, que caiu de 44% para
32% nos últimos dez anos.
A possibilidade de que a Fiat
abandone a fabricação de automóveis provocou uma enorme
reação emocional. Berlusconi,
que fez questão de visitar Giovanni Agnelli depois de vencer as eleições gerais do ano passado, descreveu a atual crise como "um
problema nacional". Ele prometeu apoio ao grupo, nos limites
das regras da União Européia.
"Mesmo que a Fiat sobreviva e
floresça como conglomerado industrial e financeiro, sem os carros ela jamais será a mesma", diz
industrial de Turim. Em abril, a
direção da Fiat seguiu a tradição
ao exibir seu novo modelo ao governo e aos políticos de Roma.
Cerimônias semelhantes eram
realizadas na presença de Benito
Mussolini e de todos os primeiros-ministros que o sucederam.
Existe também o risco de que a
Fiat sofra aquilo que os economistas denominam "síndrome da
Olivetti". No passado, líder da
corrida italiana rumo à alta tecnologia, a Olivetti é hoje pouco mais
que uma casca vazia entre a multidão de empresas que controlam a
Telecom Italia.
Os Agnelli adiaram por muito
tempo o momento da verdade.
Há três semanas, Giovanni Agnelli renovou seu compromisso para com a manutenção da divisão
de automóveis. Mas na terça-feira
passada, o irmão dele, Umberto,
reconheceu pela primeira vez em
público que a família pode ser forçada a vender. Ele disse que embora a divisão de automóveis da
Fiat continuasse a ser uma propriedade estratégica, "ela não precisa ser estratégica para sempre".
Não é a primeira vez que o futuro das operações automobilísticas
da Fiat está em dúvida. Nos anos
70, a empresa teve de enfrentar o
primeiro choque do petróleo,
além de uma campanha terrorista
das Brigadas Vermelhas, na qual
fábricas foram bombardeadas e
executivos do grupo assassinados. "Não foi fácil continuar produzindo automóveis depois da
guerra do Yom Kippur. E houve
quem perguntasse se era razoável
manter as fábricas funcionando
quando elas sofriam ataques terroristas. Em termos puramente financeiros, talvez tivesse feito mais
sentido simplesmente desistir",
disse Giovanni Agnelli em entrevista coletiva seis meses atrás.
Fusão
Os Agnelli consideraram a hipótese de adquirir outras montadoras, ou de uma fusão. Mas as negociações não progrediram porque a Fiat queria sempre manter o
controle. Em uma célebre entrevista ao jornal "La Stampa", propriedade da família, Giovanni Agnelli revelou que Enrico Cuccia,
então chairman do Mediobanca,
um influente banco de investimentos, o havia aconselhado a
vender a divisão de automóveis à
DaimlerChrysler. Agnelli respondeu que não estava preparado para "se aposentar na ilha de Tonga
com uma pilha de dinheiro".
A estratégica aliança formada
por meio de participações acionárias cruzadas com a General Motors, dois anos atrás, foi encarada
pela maioria dos observadores
como uma solução de compromisso. Ela tinha por objetivo ajudar a Fiat a enfrentar as pressões
mundiais que suas operações automobilísticas vinham sofrendo,
sem com isso tirar o controle das
mão da família italiana. A GM adquiriu uma participação acionária de 20% na divisão de automóveis da Fiat por US$ 2,4 bilhões, e
em troca a Fiat adquiriu uma participação de 6% na GM. A empresa italiana também negociou opção para vender os 80% restantes
das ações à GM depois de 2004.
"É uma opção de contingência,
e ninguém deseja usá-la", diz Paolo Fresco, antigo executivo da General Electric trazido para a Fiat
como chairman pelos Agnelli há
três anos para "americanizar" a
empresa. Mas os concorrentes da
Fiat, os banqueiros e até mesmo
membros de sua direção agora
acreditam que a hora da venda está chegando. Depois de um final
de semana de negociações intensas, os bancos da empresa concordaram na semana passada em
fechar um pacote de salvamento
para ajudar o grupo de Turim a
reduzir suas dívidas e manter as
operações automobilísticas.
A Fiat e os Agnelli se recuperaram de crises passadas, como
aconteceu com a Renault e a Peugeot nos anos 80. Mas desta vez
pode ser diferente.
Tradução de Paulo Migliacci
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