|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NA RETRANCA
Dez meses após a posse, diretrizes ainda não saíram do papel; dividido, governo limitou-se a apagar incêndios
Crise e divergência travam política industrial
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
O prometido programa de política industrial do governo Lula
ainda não saiu da prancheta, passados dez meses da posse.
Sem a definição das linhas mestras para alavancar o crescimento
sustentado, a área econômica jogou na defensiva até agora.
Segundo empresários e especialistas ouvidos pela Folha, as definições estão atrasadas e, na ausência de uma política industrial
ativa, prevaleceram o socorro e a
influência dos lobbies.
Na prática, atropelado pelas crises do setor elétrico, da aviação e
pela estagnação do consumo, o
governo petista apagou incêndios. A ministra Dilma Rousseff,
de Minas e Energia, que antes da
posse afirmava que não haveria
socorro para as distribuidoras de
energia, acabou admitindo a gravidade dos problemas do setor.
O programa de capitalização
das distribuidoras, fechado em
setembro com a liberação de R$ 3
bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), marcou a rendição
pelo PT do discurso político à prática administrativa.
"O setor precisa de um ambiente para que, na expansão da economia e do mercado consumidor
de energia, as empresas tenham
condições de andar com as próprias pernas", disse Rousseff, em
recente seminário em São Paulo.
Segundo Júlio Gomes de Almeida, economista do Iedi (Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), na mesma linha de política reativa ocorreu a
redução do IPI para os automóveis, que termina no final deste
mês, o pacote de crédito para a
compra de eletroeletrônicos e a
prorrogação, por dez anos, da Lei
de Informática.
A medida mais pró-ativa adotada até o momento pelo governo
em matéria de industrial acabou
dando dores de cabeça. A exigência de conteúdo nacional mínimo
nas licitações para a construção
de plataformas de petróleo da Petrobras resultou num aumento de
preços na primeira licitação feita.
O grupo Fels Setal-Tecnique
(Brasil-Cingapura e França), que
ganhou a licitação para a construção e a integração do casco e do
convés da plataforma P-52, fixou
em US$ 774,9 milhões o valor da
obra. O mercado calculava um
custo de US$ 520 milhões. A Petrobras negocia com os vencedores uma redução no preço.
Desconto
Divergências políticas e ideológicas entre a vertente "financista"
do PT e os "desenvolvimentistas"
também entravaram a discussão
do programa de política industrial. No Ministério da Fazenda e
no Banco Central predomina a visão de que, uma vez debelada a
crise financeira e garantida a estabilidade do câmbio e dos preços,
o resto viria por derivação.
No entanto, outras áreas do governo e mesmo do empresariado
vêem a necessidade de o Estado
ter políticas indutoras do crescimento e linhas de financiamento
que dêem prioridade a setores capazes de disputar espaço no mercado global e reduzir a chamada
"vulnerabilidade externa" do país
(sucessivos déficits em transações
com o exterior que geram a dependência de capitais estrangeiros de curto prazo).
"O Brasil precisa ter empresas
transnacionais, capazes de competir em escala mundial nos setores de siderurgia, mineração e petroquímica", defende Alexandrino de Alencar, vice-presidente da
Braskem, o maior grupo petroquímico do país. "Temos de escolher quais empresas serão campeãs no futuro", acrescenta.
A posição do BNDES -o maior
banco de fomento do país- é listar setores prioritários para aportar recursos. "Hoje as decisões do
banco são tomadas com base em
análise das necessidades específicas de uma empresa ou setor", diz
Fábio Erber, diretor da área de indústria do banco.
Erber participa das discussões
do programa de política industrial, iniciadas há cerca de três meses e que envolvem técnicos do
ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio e o de Ciência e Tecnologia.
Nessas discussões, a posição do
banco é que se estabeleçam setores prioritários para alocação de
seus recursos. "Na nossa visão, os
setores prioritários são os que
contribuem para reduzir a vulnerabilidade externa [exportadores], os que sejam capazes de fazer
uma substituição de importações
[componentes eletrônicos, softwares e bens de capital] e que gerem insumos capazes de beneficiar a população de baixa renda
[saneamento]", diz Erber.
Hoje, segundo ele, não há divergências sobre os rumos do programa. Mas a Folha apurou que é
justamente na determinação dos
setores a serem eleitos como prioritários que reside hoje o principal
nó da discussão. Teme-se a reação
negativa das empresas dos segmentos não contemplados. Por
isso, o programa a ser divulgado
pelo governo deverá enfatizar as
políticas "horizontais", que beneficiarão a todos.
Sem banho-maria
O governo defende-se com a
promessa de que explicitará as
condições e vantagens de sua política industrial ainda neste mês
-mais especificamente no próximo dia 19. Nesse dia, será fechado
documento elaborado por quatro
ministérios definindo políticas
globais para o desenvolvimento e
os recursos que serão canalizados
a setores estratégicos.
"A política industrial não está
em banho-maria, ela sairá do papel no início do ano que vem", diz
o assessor econômico do Ministério do Planejamento, José Carlos
Miranda.
Colaborou Marta Salomon,
da Sucursal de Brasília
Texto Anterior: Painel S.A. Próximo Texto: Frase Índice
|