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TELEFONIA
Presidente da agência nega desgaste com Miro Teixeira e diz que ministro cumpria seu papel do ponto de vista político
Anatel vê "mal-estar" com índice de reajuste
LEONARDO SOUZA
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O engenheiro Luiz Guilherme
Schymura, 41, presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), gostou da proposta
do governo para as agências reguladoras e negou desgaste com o
ministro Miro Teixeira (Comunicações) por causa da polêmica sobre o reajuste de tarifas. Para
Schymura, Miro estava fazendo o
seu papel, que é político.
Ele confirmou que a disparada
do IGP-DI -índice usado no reajuste dos contratos de telefonia-
criou um "mal-estar" e tornou o
ambiente político mais "sensível".
Schymura afirmou que fica até o
final de seu mandato, que se encerra em novembro de 2005, e que
não admite a possibilidade de o
governo indicar novo presidente
para a Anatel antes disso. Vencido
o mandato, sairá da agência. Alega "desgaste familiar".
Folha - O que a agência vai fazer
em relação à confusão do reajuste
das tarifas?
Luiz Guilherme Schymura - Nós
definimos o reajuste no final de
junho. A partir daí, na instância
administrativa, tomamos a decisão final. Sempre cabe recurso à
Justiça. Esse recurso foi feito e o
juiz entendeu por bem não acatar
a decisão da agência, em processo
liminar. O que a agência vai fazer
é acompanhar para ver se a decisão da Justiça será cumprida.
Agora quem decide é a Justiça.
Folha - A Anatel vai chancelar o
reajuste pelo IPCA?
Schymura - Não. Temos que
acompanhar para fiscalizar o que
a Justiça determinou. Quem tem
que deixar claro essa decisão é o
juiz. A gente não pode fazer uma
interpretação do que o juiz fez.
Folha - A agência ainda defenderá a aplicação do IGP-DI na Justiça?
Schymura - A posição da Anatel
é sempre defender a decisão que
foi tomada [o reajuste tarifário
pelo IGP-DI].
Folha - Há quem diga que a Anatel teve uma postura omissa e não
lutou na Justiça pelo IGP-DI previsto nos contratos...
Schymura - Acho que não. Nós
tomamos a decisão e toda vez que
somos convocados estamos dando a nossa visão da razão pela
qual estamos dando o IGP-DI.
Existe na agência a convicção de
que o que foi dado foi o correto.
Folha - Mas a agência não poderia
brigar pelo IGP-DI na Justiça?
Schymura - A Procuradoria da
agência é ligada à AGU [Advocacia Geral da União, órgão da Presidência da República]. O que a
gente tem feito, em concordância
com a visão da AGU, é nos pronunciarmos toda vez que formos
acionados. Há uma lei que transfere a subordinação da procuradoria das agências para a AGU.
Folha - Esse tipo de decisão sobre
tarifa afasta o investidor?
Schymura - Em qualquer lugar
do mundo existe a Justiça. Nos Estados Unidos, todas as decisões
da FCC [Federal Communications Commission, órgão regulador dessa área] vão parar na Justiça, e na maior parte delas acaba
prevalecendo a opinião da FCC.
Isso faz parte do Estado democrático de Direito.
Folha - Mas aqui a gente teve o
agravante de um ministro de Estado incentivar ações na Justiça contra a decisão de uma agência reguladora...
Schymura - O ministro está falando de um ponto de vista político. Do ponto de vista político, o
momento é muito sensível. Houve uma mudança de governo, o
salário da população não cresceu,
o IPCA foi 17% e o IGP foi 30,05%.
Um grupo de fatores que, politicamente, gera um mal-estar. Isso
é inegável. A Justiça tem que tomar as decisões com base nas leis
e no que está escrito, mas o papel
do ministro é um papel político,
completamente diferente do meu
papel ou do papel da Justiça. Cada
um tem seu papel.
Folha - No futuro as operadoras
podem pedir para a Anatel novo
reajuste para repor perdas causadas pela aplicação do IPCA em vez
do IGP-DI?
Schymura - Não acredito que isso venha a acontecer. Ainda é
uma liminar. Se eu for levar em
conta todos os "se", eu não durmo. Pode acontecer tudo.
Folha - Para os contratos novos, a
agência já anunciou que irá adotar
um índice setorial. Os cálculos que
foram feitos demonstram que, de
1997 a 2003, esse índice acumulado teria ficado bem abaixo do IGP-DI. As empresas estavam ganhando demais nos últimos anos?
Schymura - Tenho medo dessa
análise. O IGP, de fato, nesse período, foi maior do que os outros
índices. No momento da privatização, o IGP estava lá embaixo em
relação aos outros. O IGP foi mais
alto, mas a economia brasileira
não cresceu. Se nós formos fazer
uma avaliação do contrato, você
não pode entrar só no índice. Se o
país crescer, bom para a empresa.
Se não crescer, ruim para a empresa.
Folha - O que acontece no ano
que vem se o IGP-DI ficar mais baixo do que o IPCA?
Schymura - O que é provável. Aí
vamos ver [risos]. Ano que vem a
gente vai ver o que vai fazer. Em
princípio, a posição da agência é
seguir o contrato.
Folha - Seu relacionamento com o
governo melhorou, passou a fase
mais crítica?
Schymura - Nunca houve um
problema meu, pessoal, de relacionamento com o governo. O
que houve foi um posicionamento do ministro com relação à
questão do reajuste, o que deu a
impressão de que havia algum tipo de desgaste com a agência.
Não houve em momento nenhum desgaste com a agência. Ele
não interferiu na negociação que
foi feita. Ele só se posicionou, como está se posicionando em relação à TIM [Telecom Italia Mobile]. Está no papel dele.
Folha - O que o senhor achou dos
anteprojetos do governo sobre
agências reguladoras?
Schymura - Foi extremamente
importante o movimento que foi
feito pelo governo, que foi colocar
o documento em consulta pública, o que mostra claramente a disposição para um amplo debate
sobre essa questão. O que se está
discutindo é o aumento da transparência. Mas, toda vez que aumenta a transparência, aumenta a
burocracia também. Não vi de
maneira nenhuma o projeto diminuindo o poder das agências.
Tem coisas no projeto que vão ser
amadurecidas e modificadas, por
problemas de edição. O que se vai
discutir é até onde a sociedade
quer transparência sabendo que
vai ter que arcar com um custo
maior de burocracia.
Folha - O governo botou o pé no
chão em relação às agências?
Schymura - As agências são instituições muito recentes. Muita
gente nem sabe qual o papel da
agência. Todo mundo sabe o que
o Ministério da Fazenda faz, pouca gente sabe o que a Anatel faz.
Folha - O senhor pretende continuar na agência após o fim do mandato?
Schymura - Eu tenho duas certezas. Uma é que eu vou morrer.
Outra é que no dia 5 de novembro
de 2005 eu não estou mais na
Anatel.
Folha - Foi uma experiência desagradável?
Schymura - Não, foi ótima. Mas é
um desgaste familiar tremendo.
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