São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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SEMENTES DA DISCÓRDIA

Para representantes brasileiros do setor, chineses recusaram soja por terem comprado produto na alta

Produtores vêem manobra para preço cair

Juca Varella/Folha Imagem
Fiscal em terminal de exportação de soja no porto de Santos (SP)


DA AGÊNCIA FOLHA

Representantes de cooperativas, exportadores, produtores e sindicalistas dos Estados de maior produção de soja do país afirmam que as recentes recusas por parte da China de compra do produto têm apenas um objetivo: a queda do preço do grão brasileiro no mercado internacional.
O presidente da Coamo, maior cooperativa da América Latina, José Aroldo Galassini, disse existir na recusa chinesa "uma evidente preocupação de fazer os preços recuarem no mercado internacional". Galassini, no entanto, admite que o Brasil precisa normatizar, com urgência, formas de monitoramento da qualidade da soja brasileira para fazer frente "a especulações no mercado".
A Coamo opera basicamente com o mercado europeu, exportando farelo e óleo de soja. Dos 2 milhões de toneladas que a cooperativa exportou nesta safra, uma pequena parcela foi em soja em grão, para a Holanda.
Sojicultores de Mato Grosso -Estado que responde por 28,8% da safra brasileira, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)- avaliam que a China quer baixar o preço do grão e, por isso, barrou navios brasileiros supostamente carregados com sementes contaminadas.
"Os chineses não são os melhores no mercado internacional. Eles compraram mal a soja, pagando um preço alto -mais de US$ 10 por bushel [27,2 quilos]. Agora ficam colocando inúmeros empecilhos", afirmou o presidente do Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde (MT), Helmute Augusto Lawisch. Ele representa sojicultores que produziram 750 mil toneladas dos 14,5 milhões de toneladas de soja em Mato Grosso.
Conhecido como o "rei da soja" -produz cerca de 400 mil toneladas-, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, disse na semana passada que a China quer comprar diretamente dos produtores, evitando as "tradings" (exportadoras) norte-americanas.
O delegado do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul, Francisco Signor, compartilha da avaliação de que a China tenta baratear a soja. "Como compradora, está no seu direito. O preço já caiu [de R$ 52 no começo de maio para R$ 38 na semana passada, por saca], esse era o objetivo."

Portas fechadas
Os terminais do porto do Rio Grande, todos privados, fecharam-se para a reportagem, que procurou acompanhar a fiscalização realizada pelos fiscais do ministério na última sexta-feira.
O presidente do complexo de terminais Termasa/Tergrasa, Caio Vianna, que movimenta 64% dos grãos no porto, é direto ao explicar a recusa em receber a Agência Folha nos seus armazéns. ""A China tenta levar vantagem, faz seu jogo na disputa comercial. Os fiscais são cobrados, e um grãozinho em bilhões basta para fechar um armazém. Quem vem até nós já está procurando coisa. Por isso temos de nos fechar, não é momento para transparências."
A Termasa/Tergrasa teve dois de seus dez armazéns fechados no dia 28 de maio por terem sido encontrados sete grãos avermelhados (cor característica das sementes, devido ao uso de fungicida) entre bilhões de grãos.
Os outros terminais em Rio Grande são o da Bunge e o da Bianchini. ""Foi uma jogada genial da China. Só quem ganha é o consumidor chinês. A China queria um motivo para que o preço baixasse e o encontrou na questão sanitária", disse Antônio Bianchini, presidente da Bianchini.
O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), engrossa o coro contra a recusa chinesa: ""Os importadores jogaram pesado para o preço cair".
O diretor da corretora Brasoja, Antonio Sartori, concorda. ""Os chineses têm 170 milhões de toneladas em estoque. Podem esperar para pagar menos", afirma.
O presidente da Fecoagro (Federação das Cooperativas Agropecuárias), Rui Polidoro Pinto, concorda com a tese da intencionalidade: ""Produtores vão ficar inadimplentes". (JOSÉ MASCHIO, HUDSON CORRÊA, LÉO GERCHMANN e FAUSTO SIQUEIRA)


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