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LUÍS NASSIF
O brasileiro da Kodak
Está certo que Santos Dumont é herói nacional. Os
mais velhos se lembrarão de Carlos Chagas ou de César Lattes,
que quase foi nosso Nobel. Mas os
cientistas e inovadores têm pouco
espaço na nossa cultura. O imaginário popular está focado em esportistas, políticos, advogados,
músicos em geral.
Por isso, quando soube da concessão do prêmio da Fundação
Conrado Wessel para cinco cientistas brasileiros, me animei. Mas
quem era esse tal Conrado?
Nascido na Argentina em 1891,
com um ano de idade Conrado
tornou-se cidadão de Sorocaba,
para onde se mudou sua família
alemã. A Escola Politécnica tinha
acabado de ser montada, e o pai
de Conrado, Guilherme Wessel,
convidado para ser professor de
física.
A escola era próxima do Jardim
da Luz, local preferido dos paulistanos para tirar fotografias, a nova moda que grassava por meio
dos lambe-lambes. Desde os tempos de estudante, em Hamburgo,
na Alemanha, Guilherme se interessava pela fotografia, como negócio, mas também como tecnologia.
Depois de algum tempo, adquiriu uma loja de fotografias na rua
São Bento. Foi a primeira de uma
série de lojas de fotografias fundadas por casais europeus naquela rua, precedendo a Casa Cosmos e a Fotoptica.
Desde cedo Conrado se interessou pelo tema e, adolescente, ganhou dois prêmios de fotografia
em concurso promovido pela Secretaria da Agricultura de São
Paulo. Durante seis meses foi assistente de um cinegrafista da
Gaumont, que em 1908 veio filmar fazendas de café para a propaganda do produto na Europa
-nos tempos em que o café brasileiro ainda sabia se promover.
Com esse trabalho, conseguiu a
primeira carteira de cinegrafista
emitida no país.
O pai apostou do talento do filho e, em 1911, o enviou para estudar fotografia na K. K. Lehr und
Versuchs Antsalt, em Viena. Lá,
ele se especializou em clichês para
revistas e jornais.
Voltou dois anos depois com a
idéia de montar uma fábrica nacional de papel fotográfico.
Para se aprofundar no tema,
decidiu se matricular como aluno
ouvinte da Poli. Após muitas experiências, chegou à fórmula
ideal.
Em março de 1921, inaugurou a
primeira unidade da fábrica, em
um pequeno prédio de seu pai na
Barra Funda. Adquiriu algumas
máquinas, importou papel da
Alemanha, e a tecnologia desenvolvida por ele permitia fixar a
emulsão de sais de prata na base
do papel.
Conseguiu a patente, concedida
pelo então presidente Epitácio
Pessoa, e batizou o produto de
Postal Jardim, para atrair os lambe-lambes do Jardim da Luz.
Os papéis da Fábrica Privilegiada de Papéis Photograficos Wessel levaram algum tempo para
conquistar mercado. Fez campanha entre os fotógrafos, mas, apesar de melhor e mais barato, não
conseguia superar o fascínio que
o produto estrangeiro sempre
exerceu sobre nossos consumidores. Salvou-o a Revolução dos Tenentes, em 1924, que deixou São
Paulo isolada e os lambe-lambes
sem papel fotográfico.
Aí começaram a comprar o Postal Jardim. Quando a revolução
terminou, os estrangeiros tentaram recuperar o mercado, até oferecendo produto pela metade do
preço. Para combater a invasão,
Wessel lançou o mesmo papel,
mas com nome diferente e preço
menor ainda. Surpreso, constatou
que os fotógrafos faziam questão
do original, mais caro.
Passou a ser assediado por todas as empresas estrangeiras.
Acabou fechando um acordo com
a Kodak, pelo qual a empresa
construiu uma fábrica nova no
bairro de Santo Amaro e concedeu a administração a ele por 25
anos. Ao final do período, fábrica
e patentes passariam para o controle da Kodak.
Wessel virou um empresário
nacional rico. Fosse norte-americano, teria virado multinacional.
Adquiriu vários imóveis, inclusive a área onde está o Shopping
Pátio Higienópolis. Morreu em
1993, aos 102 anos, sem herdeiros
e com o sonho de criar um prêmio
que fosse o Nobel brasileiro.
Está na hora de o país começar
a cultuar os seus tecnólogos, os
homens que, apesar de tudo, de
governos incompetentes, do bacharelismo de advogados e economistas, da torcida nacional pelo
fracasso, lograram empreender e
deixar uma obra.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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