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FÉ DOLARIZADA
Cultos atraem empreendedores atrás de ajuda para melhorar os negócios; mas é preciso "dar para receber"
Empresários lotam templo em busca de lucro
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Tua vida vai ser dolarizada pela
fé." Na noite de segunda-feira, em
uma pequena sala do 4º andar do
Templo da Fé (o maior de São
Paulo), em Santo Amaro, zona sul
da cidade, chega ao auge a pregação em um culto da Igreja Universal do Reino de Deus.
Na platéia, 500 microempresários e comerciantes seguram pastas de papelão com os dizeres
"Meus Projetos para 2004 Serão
Todos em Dólar" -onde devem
escrever seus planos de negócio
para o Ano Novo- e ouvem com
atenção cada palavra.
"Olha quanta nota, é só isso que
vai ter na sua vida. Você pode preparar o cofre", brada o bispo Darlan, fazendo referência às fotografias de notas da moeda americana
estampadas nas pastas distribuídas momentos antes -e que estão reproduzidas nesta página.
Com algumas diferenças, o culto direcionado para quem tem
seu próprio negócio se espalha
por diversos salões de igrejas em
todo o país.
Cansados de esperar o tão prometido crescimento da economia
brasileira, mais e mais empresários e comerciantes vêm se tornando alvo fácil de um produto
cuidadosamente adaptado ao seu
paladar: a promessa de prosperidade. Versão negócios.
Em áreas mais restritas de templos gigantescos, ouvem que são
"a cabeça, não a cauda", que
"Deus quer fazer algo grande" e,
principalmente, que "vai entrar
dinheiro que nem água".
Em média, de cada cem pequenas empresas abertas neste ano
no Estado de São Paulo 31 vão fechar as portas em 2004, segundo
números do Sebrae (Serviço de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Isso pode ajudar a explicar a razão de essas reuniões estarem sempre lotadas.
O discurso, adaptado do calvinismo, vem sendo adotado desde
meados dos anos 90 por igrejas
como a Renascer em Cristo e a Sara Nossa Terra (leia matéria na
página ao lado), para arrebanhar
às casas de oração engravatados
que tragam, na mesma proporção, prestígio e recursos a essas
instituições.
Outras neopentecostais, como a
Universal -que possui hoje 8 mil
templos-, começaram a olhar
esses potenciais fiéis com mais
atenção em 2003.
Desde fevereiro, a igreja, que há
anos realiza a sua "Reunião dos
Empresários com os 318 Pastores"- na prática um culto voltado para qualquer um com problemas financeiros-, reserva salões
menores para cativar em separado os que efetivamente possuem
empresas ou comércios.
"Para certos empresários, que
são os realmente de fé, fazemos
uma ou outra reunião onde se fala
de algo mais profundo. São mensagens específicas para quem tem
um compromisso com Deus, onde se incentiva os negócios dessas
pessoas", afirma o bispo da Universal Carlos Rodrigues, deputado federal pelo PL e coordenador
político da igreja.
Não por acaso, este é o ano em
que a economia pode ficar estagnada, em que a renda média do
trabalhador bateu recordes de tão
baixa, em que o consumo despencou, desesperando a indústria.
"É um espaço que se abriu, e a
Universal é uma igreja muito criativa, ágil e flexível, que sabe capturar as brechas que a sociedade
oferece", analisa o antropólogo
Ari Pedro Oro, professor da
UFRGS (Universidade Federal do
Rio Grande do Sul).
Não que o tom adotado durante
as cerimônias -frequentadas
por microempresários e comerciantes- tenha relação direta
com o que ocorre na economia.
Em vez de falar sobre o patamar
dos juros no país, os bispos que
conduzem as reuniões preferem
simplificar e pregam que "só não
cresce quem não quer".
Mesmo assim, durante os programas de televisão da igreja,
apresentados nas redes Record e
Mulher, pertencentes à Universal,
os bispos falam para empresários
em frente a monitores de agências
de notícias especializadas em economia, como a Bloomberg.
"A tônica da vida financeira foi
tema do discurso da Universal
desde sempre. Agora, estão tentando separar o "joio" do "trigo'",
aponta o sociólogo Ricardo Mariano, um dos 19 pesquisadores
-juntamente com Oro- do livro "Igreja Universal do Reino de
Deus - Os Conquistadores da Fé",
lançado pela editora Paulinas.
"Com a crise que o país vem enfrentando desde o ano passado,
aumentou muito a frequência nos
cultos da vida financeira", diz o
bispo Rodrigues.
Segundo boi
A abundância prometida pelos
bispos aos empresários não vem
de graça: precisa ter fé. O que, segundo os discursos proferidos,
significa "entrar no sacrifício", ou
seja, dar dinheiro para Deus, representado na terra pela Universal. Para os bispos, é a "única forma" de materializar a crença em
Deus e viabilizar o crescimento
econômico.
"Deus vai te pedir o segundo
boi. Eu não sei o que é, mas o que
Deus te pedir não tenha medo,
que muito mais Ele tem para te
dar. Então começa já a gerar o sacrifício no seu coração", aconselha o bispo Darlan, em tom paternal, durante os cultos.
O "segundo boi" é referência ao
personagem bíblico Gideão, que,
no livro de Juízes, consegue salvar
Israel de um povo inimigo, os midianitas. Antes de ganhar a batalha, ele ofereceu um cabrito a
Deus, que pediu então o sacrifício
do segundo boi do seu rebanho.
"Todo personagem bíblico que
tem uma relação de barganha
com Deus é bastante utilizado nas
pregações", diz o sociólogo Mariano. Durante os cultos, o discurso, analisa ele, se assemelha muito
ao da auto-ajuda. Quem participa
afirma que sai encorajado para
tentar melhorar seus negócios.
Um empresário aparentando 45
anos ouvido pela Folha relata, na
saída da reunião, que recebeu
uma injeção de ânimo para pensar em estratégias comerciais.
Sua mulher, que o acompanha
nas reuniões, diz que desde que
ambos vão à igreja, há dois meses,
começou a pensar em seguir carreira como artista plástica. Ela
conta que já recebeu convites para participar de exposições.
Pessoa física
A "Reunião dos Empresários
com os 318 Pastores" acontece em
diversos horários todas as segundas-feiras -o dia dedicado à vida
financeira na igreja.
Os "318" são pastores e auxiliares de pastor que ajudam os bispos durante os cultos. O número é
tirado de uma parte da Bíblia onde Abraão é ajudado por 318 servos de sua confiança para resgatar
seu sobrinho Ló, sequestrado por
quatro reis.
Nessas reuniões, o mais comum
é encontrar pessoas endividadas
ou que almejam abrir seu próprio
negócio, e que estão dispostas a
dar o dízimo -10% do que ganham- para melhorar de vida.
"Há muita gente pobre que frequenta a Universal, a mais eficaz
em atrair pessoas com problemas
financeiros. É a igreja com renda
média das mais baixas entre as
evangélicas", diz Mariano.
É esse público que participa das
"correntes da prosperidade", realizadas nos finais de tarde das segundas-feiras. Todos os fiéis que
estão no templo -nas grandes
catedrais cabem até 5.000 pessoas- se encaminham em direção ao palco, onde os "318 pastores" formam um corredor.
Erguendo carteiras de trabalho,
cartões de crédito e projetos empresariais, milhares de fiéis passam no meio dos pastores, que
oram pela melhora em sua vida.
Enquanto isso, o bispo realiza
uma pregação onde são comuns
frases como "muitas dívidas" e
""pessoas que perderam tudo":
"Opera na vida desta pessoa,
Deus, para ela pagar as dívidas,
para sair da mão dos agiotas. Vem
agir na vida desta pessoa, que já
perdeu a conta bancária, perdeu o
crédito, faz ela recuperar tudo".
É o tipo de discurso que permite
à Universal continuar crescendo,
entre patrões ou empregados, de
forma espantosa no país.
Neste momento, 17 catedrais
-como a igreja chama os seus
templos maiores- estão sendo
construídas no país por grandes
construtoras, como a Queiroz
Galvão e a Odebrecht.
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