|
Texto Anterior | Índice
ANÁLISE
Europa se vê diante de dilema cambial
DO "FINANCIAL TIMES"
Pouco a pouco, o dólar
vem perdendo terreno
diante do euro. A moeda única
européia atingiu a cotação de US$
1,21, ante o US$ 0,84 que registrava em julho de 2001. Os operadores de câmbio mudaram de opinião com respeito à atitude no final dos anos 90, quando equiparavam a força de uma economia
ao seu vigor cambial. Àquela altura, isso significava preferência pelo dólar e pela florescente economia dos EUA ante as moedas da
prosaica zona do euro e do moribundo Japão.
Depois da breve recessão de
2001, a economia norte-americana parece agora tão forte como
sempre. Ainda que o crescimento
anunciado na sexta-feira para o
número de vagas não-agrícolas
criadas tenha sido um pouco decepcionante, a alta do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro
trimestre atingiu notáveis 8,2%
em termos anualizados. O consenso das previsões para 2004 é de
um crescimento de 4,2% para os
Estados Unidos, ante 2% para o
Japão e 1,8% para a zona do euro.
Mas essa superioridade no crescimento não está mais fazendo
nenhum bem ao dólar. Em lugar
disso, os investidores estão de
olho no déficit cada vez maior dos
Estados Unidos em conta corrente: um buraco cujo financiamento
exige US$ 1,5 bilhão ao dia em capital estrangeiro. É pouco provável que esse tipo de investidor se
deixe atrair pelo rendimento dos
mercados norte-americanos: as
taxas de juros de curto prazo são
de apenas 1% (e negativas em termos reais) e o rendimento do bônus de dez anos do Tesouro dos
Estados Unidos está alguns pontos básicos abaixo de seu equivalente alemão.
E, assim que uma moeda começa a cair, os incentivos para sustentá-la rapidamente se reduzem.
Para um investidor europeu, a alta de 21,5% registrada pelas Bolsas
norte-americanas neste ano se
traduz em apenas 5,6% de ganho
em termos de euros, 25% a menos
que o retorno obtido no mercado
alemão.
Felizmente para os Estados Unidos, continuam a existir alguns financiadores voluntários para o
seu déficit em conta corrente: os
bancos centrais asiáticos. Eles estão ávidos por manter suas moedas firmes com relação ao dólar,
de modo a estimular os exportadores em seus países. De modo
que ficam felizes por agir mais ou
menos como os mercadores burgueses que serviam à aristocracia
da era vitoriana -trocam seus
produtos pela promessa de futuro
pagamento. Em algum momento,
depois de suas posições em títulos
públicos norte-americanos perderem valor acentuadamente, esse tipo de negócio pode parecer
bem menos atraente, mas esse estágio parece estar ainda a anos de
distância.
Conjuntura propícia
A relutância asiática em permitir que as moedas da região se valorizem em relação ao dólar
transfere a parte maior do ônus
dos ajustes à zona do euro e às
moedas periféricas, como a libra
esterlina e o dólar australiano.
Em teoria, isso deveria permitir
que o BCE (Banco Central Europeu) cortasse suas taxas de juros.
Essa medida poderia evitar o impacto deflacionário da alta do euro e desempenhar seu papel para
reequilibrar a economia mundial,
reduzindo a dependência em relação à demanda interna dos Estados Unidos.
Na prática, porém, o BCE pode
não estar disposto a desempenhar
esse papel. Já está insatisfeito com
o fracasso da França e da Alemanha em respeitar os termos do
Pacto de Estabilidade e Crescimento no que diz respeito ao déficit orçamentário. E parece sentir
que o déficit norte-americano em
conta corrente, porque resulta do
comportamento perdulário dos
Estados Unidos, não é problema
da Europa.
Por enquanto, o boom no comércio mundial está tirando a zona do euro da pequena recessão
que ela enfrentou no primeiro semestre deste ano. Os volumes de
exportação são tão fortes que
pouco importa que os exportadores europeus sejam menos competitivos.
Mas não é difícil ver em que
ponto esse delicado número de
equilibrismo poderia fracassar. A
economia da China pode se superaquecer, retardando o crescimento no comércio mundial. A
relutância dos investidores privados em manter ativos norte-americanos pode resultar em alta no
rendimento dos papéis do Tesouro dos Estados Unidos, o que forçaria uma pausa na recuperação
norte-americana. Diante de uma
moeda em alta e de uma desaceleração na economia mundial, a
Europa pode ser apanhada em
uma posição muito desagradável.
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Previdência: Perfil previdenciário já tem formulário Índice
|