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Ação é necessária, mas não resolve crise
Nas últimas semanas houve mais desvalorização de instituições, resgates de fundos de hedge e venda forçada de ativos
Perspectiva econômica se deteriora; incerteza maior dificulta estabilização do setor financeiro e pode
inibir gastos do consumidor
KRISHNA GUHA
DO "FINANCIAL TIMES"
A dramática intervenção nas
gigantes Fannie Mae e Freddie
Mac tem dois objetivos importantes: reduzir as taxas e juros
no setor habitacional e aliviar a
tensão dos mercados financeiros ao deixar claro que os papéis emitidos por elas são seguros já que o governo americano
não permitirá que nenhuma
das duas quebre.
Para atingir esses objetivos, o
governo deu três disparos de
ajuda. Primeiro, proverá injeções de capital de até US$ 100
bilhões para cada empresa para
garantir que mantenham saldo
positivo e continuem a honrar
suas dívidas. Segundo, começará a comprar papéis atrelados a
hipotecas lançados pelas duas
empresas, começando com
uma compra de US$ 5 bilhões,
enquanto permite que elas elevem seus ativos em mais de
US$ 100 bilhões. Terceiro, proverá apoio de liquidez sem limites, dentro do novo modelo
criado pelo Federal Reserve
(BC dos EUA) para bancos de
investimento. Enquanto isso,
as duas serão colocadas sob o
controle do órgão regulador.
O plano é mais abrangente e
específico do que a versão inicial anunciada pelo secretário
do Tesouro, Henry Paulson, em
julho, que não conseguiu acalmar os mercados. É também
mais ambicioso: busca não apenas estabilizar a situação como
ajudar a invertê-la.
"É algo grande em muitos aspectos", diz Mohamed El-Erian, principal executivo da
Pimco, a maior administradora
de títulos do mundo. "É uma
tentativa vigorosa e abrangente
do governo americano de estabilizar os mercados financeiros
e habitacionais, ao se envolver
diretamente com sua contabilidade e prover liquidez e apoio
financeiro para conter mais
distúrbios relacionados às
GSEs [empresas com apoio do
governo, na sigla em inglês, como Fannie e Freddie]."
A compra direta pelo governo de novos títulos de hipotecas de Fannie e Freddie, aliada
ao maior apoio financeiro para
as duas, deverá reduzir os
"spreads" pagos pelos papéis
que emitem, reduzindo o custo
das hipotecas. Paulson deixou
claro também que as autoridades buscarão reduzir as taxas
cobradas pelas duas nas hipotecas que garantem.
As intervenções transformam as duas empresas em condutores mais puros do apoio do
governo ao mercado habitacional e facilita o aumento desse
apoio no futuro.
Maior clareza no futuro de
Fannie e Freddie e no destino
de seus papéis deve remover
uma grande fonte de instabilidade nos mercados financeiros
e no dólar.
Embora uma solução para
Fannie e Freddie fosse condição necessária para estabilizar
os mercados e melhorar as
perspectivas da economia, ela
não é suficiente.
A febre da crise de crédito
piorou nas últimas semanas,
com mais desvalorização de
instituições financeiras, resgates de fundos de hedge, aumento da aversão ao risco e sinais de
vendas forçadas de ativos.
A dinâmica central da crise
do crédito -fraqueza do setor
financeiro causando fraqueza
econômica que, por sua vez,
volta a agravar a fraqueza do setor financeiro- se intensificou
novamente. Só parte disso está
ligada a Fannie e Freddie.
Com as instituições novamente tentando minimizar sua
exposição ao risco, mostrando
pouco apetite para elevar suas
participações em empresas
mesmo com ações tão baratas,
o aperto no crédito pode piorar
nos próximos meses.
Enquanto isso, as perspectivas macroeconômicas se deterioraram. Essa incerteza maior
dificulta a estabilização do setor financeiro. E os riscos não
estão apenas nesse setor.
O consumidor americano pode estar finalmente cedendo
diante do aperto no crédito, dos
preços cadentes de ações e casas, do crescente desemprego e
dos preços das commodities
ainda caros. Os gastos do consumidor caíram em julho, as
vendas do varejo estão fracas e
o desemprego subiu a 6,1%.
Isso aumenta o perigo de
uma recessão mais convencional, que golpearia com novas
perdas um sistema financeiro
já abalado. Além disso, outras
economias desenvolvidas parecem ter piorado muito, com o
Reino Unido, a zona do euro e o
Japão sob o risco de ao menos
uma leve recessão. Uma ação
agressiva do governo dos EUA
no mercado de hipotecas via
seu engajamento com Fannie e
Freddie pode ajudar a mitigar a
ameaça de quedas catastróficas
no preço das casas.
Mas se pressões econômicas
maiores seguirem ganhando
força, o governo americano pode, em algum ponto, ter de considerar uma intervenção muito
maior: potencialmente, socializar uma parte maior das perdas
e ajudar a recapitalizar partes
maiores do setor privado.
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