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Acordo garante travessia até as eleições, diz Senna
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista José Júlio Senna,
sócio-diretor da MCM Consultores Associados, afirma que o acordo do Brasil com o FMI (Fundo
Monetário Internacional) garante
tranquilidade ao país até as eleições de outubro. Senna diz que, se
não fosse o acordo, o Brasil correria um sério risco de não honrar
seus compromissos externos até
outubro.
Depois desse período, tudo dependerá do candidato eleito, da
política econômica que irá adotar
e da equipe a ser escolhida por ele.
Foi esse medo do futuro, a seu ver,
que fez com que, na sexta-feira, o
dólar e o risco Brasil voltassem a
disparar. "As incertezas da economia ainda não foram embora",
afirma.
Senna acha justificável esse receio do mercado com o próximo
governo. O grande problema, diz
ele, é que, nos últimos anos, o Brasil registrou índices de crescimento muito baixos e a massa salarial
também aumentou muito pouco.
Isso pode levar o novo governante
a tomar medidas heterodoxas na
pressa de fazer o país voltar a crescer. "Seria absolutamente desastroso para o Brasil", diz Senna.
A seguir, os principais trechos
da entrevista de Senna.
Folha - Por que o dólar voltou a
subir na sexta-feira?
José Júlio Senna - O problema é
que as incertezas da economia
ainda não foram embora. Se ainda há incertezas em relação ao futuro, não há como o mercado se
acalmar agora.
Folha - Quais seriam essas incertezas?
Senna - A grande incerteza são
as linhas gerais da política econômica a ser adotada pelo próximo
governo. O acordo com o FMI
não resolveu isso. O acordo com o
Fundo possibilita ao país chegar
às eleições com menos turbulências. Agora, dependerá dos candidatos aproveitar ou não essa
oportunidade dada pelo FMI.
Ninguém sabe a resposta. O Brasil
estava correndo um risco muito
grande de, ainda até outubro, enfrentar uma situação de escassez
de divisas, o que poderia dificultar
os pagamentos previstos para este
ano. Agora, com o acordo, pelas
nossas contas, até as eleições, em
outubro, se as minhas hipóteses
estiverem corretas, o Brasil não
enfrentará dificuldades para o
cumprimento de suas obrigações
externas. O pacote do FMI garante ao país um caminho relativamente tranquilo de hoje até as
eleições, certamente muito mais
tranquilo do que seria se não tivesse havido o acordo. Resta saber, no entanto, quem vai ganhar
as eleições, qual será a equipe econômica, sua política e qual será a
disposição do presidente eleito
em trabalhar com o FMI.
Folha - O acordo com o FMI pode
não ser suficiente para dar tranquilidade ao mercado?
Senna - O acordo tem dois aspectos bastante importantes, frequentemente mal compreendidos pela população e pelos participantes do mercado. Em primeiro lugar, diz respeito ao montante
dos recursos. Sem dúvida, o volume de US$ 30 bilhões é expressivo
-afinal, corresponde a dez vezes
o valor da cota do país, uma proporção bem pouco usual dentro
da tradição do FMI. Por ser tão
significativo, esse volume revela o
alto grau de confiança que o FMI
deposita no país. Percebendo o
elevado grau de comprometimento de ambas as partes, os credores internacionais passam a ver
o Brasil com melhores olhos. Afinal, há todo um programa sendo
cumprido, supostamente com linhas adequadas de conduta macroeconômica, capazes de produzir resultados positivos no futuro.
Sabe-se também que o Fundo
acompanha de perto toda a execução dos programas e mantém
seus desembolsos condicionados
ao cumprimento dos compromissos assumidos. O que talvez
não tenha ficado claro é que os
US$ 30 bilhões não servem para
cobrir, diretamente, eventuais
hiatos [buracos" do balanço de
pagamentos. Esses recursos servem para gerar confiança e para
induzir o setor privado a emprestar e a investir no Brasil. Se não tivesse havido a redução do piso
das reservas internacionais líquidas, de US$ 15 bilhões para US$ 5
bilhões, que representou US$ 10
bilhões adicionais disponíveis para intervenção no mercado cambial, o acordo teria sido de utilidade prática bastante reduzida.
Folha - Esse piso será suficiente
para as necessidades de pagamento do país?
Senna - Exercícios de previsão
de fluxos de balanço de pagamentos são sempre precários, especialmente quando está em vigor o
regime flexível de câmbio, mas
nós, na MCM, fizemos algumas
projeções, usando hipóteses muito semelhantes às adotadas pelo
Banco Central. O primeiro exercício levou em conta apenas o cálculo do espaço que prevalecia antes do acordo com o FMI para a
intervenção do Banco Central.
Com o piso anterior, de US$ 15 bilhões, a autoridade monetária dispunha de pouco menos de US$ 6
bilhões para intervir no mercado.
Ocorre, porém, que o fluxo projetado das operações do setor privado -que envolve o déficit em
transações correntes, os investimentos diretos estrangeiros, as
saídas de capital ao amparo da
chamada CC-5- entre agosto e
outubro, chegava a US$ 14 bilhões. O hiato projetado, portanto, ressalvada, mais uma vez, a
precariedade dos cálculos, era de
cerca de US$ 8 bilhões. O novo espaço criado para intervenções
não poderia, portanto, ser muito
diferente dos US$ 10 bilhões oficialmente anunciados.
Folha - Até outubro, então, a situação estará resolvida?
Senna - Creio que sim. Na verdade, esse é o grande benefício
prático, de curto prazo, de todo o
programa. E talvez a grande conquista da equipe econômica. Fica
assegurado, salvo algum erro
eventualmente cometido na
montagem das hipóteses de trabalho, que as eleições se realizarão
num clima bem mais favorável do
que seria sem o acordo.
Folha - Isso se traduz em estabilidade da taxa do câmbio e em queda do risco Brasil?
Senna - É muito difícil prever o
comportamento dessas variáveis,
especialmente a curto prazo. Pode-se dizer, porém, que, tendo alterado sua política de venda de
moeda estrangeira, ou seja, tendo
anunciado o fim da chamada "ração diária", o BC ficou mais livre
para promover vendas relativamente mais pesadas nos momentos de maior pressão. Com isso, a
volatilidade da taxa de câmbio
-e talvez do prêmio de risco-
tende a diminuir. Quanto ao nível
dessas variáveis, o prognóstico é
mais difícil. Note-se que a grande
fonte de incerteza, que é a política
econômica do próximo governo,
permanece intocada. Não há
acordo com o FMI que resolva essa questão. Os candidatos à Presidência terão, no entanto, a possibilidade de começar, em seus primeiros meses no poder, com o
amparo de um acordo com o FMI
sem que isso implique nada de
terrível. É como se o Fundo dissesse assim: confio em qualquer
governo, desde que se cumpram
os compromissos fiscais e as demais metas do acordo firmado. O
candidato vencedor poderá escolher se quer dar continuidade à
política vigente, cumprindo as
metas fixadas, especialmente as
do primeiro trimestre de 2003, ou
se prefere enfrentar as turbulências do mercado sem a proteção
oferecida. Claro que a oferta poderá ser recusada. E os participantes do mercado sabem disso.
Folha - Foi esse medo que trouxe
o pânico de volta na sexta-feira?
Senna - É claro que as pesquisas
eleitorais e os inevitáveis boatos
em torno delas [na sexta-feira
correu o boato de renúncia do
candidato José Serra" têm sempre
a sua influência. Mas parece inegável que esse temor em relação
ao futuro atua como uma espécie
de freio a qualquer movimento
excessivamente otimista.
Folha - O que poderia fazer com
que o novo presidente recusasse o
acordo com o Fundo?
Senna - Seria a impaciência do
novo governante. Nos últimos
anos, a despeito de grandes avanços em vários campos, o Brasil
cresceu relativamente pouco,
uma média de 2,4% ao ano no governo FHC. De certa forma, isso
até explica em parte a vitória no
combate à inflação. Não se combate esse processo sem custo. De
qualquer modo, o crescimento
econômico foi modesto, e a massa
salarial não cresceu de maneira
sistemática. As pessoas, em geral,
têm pressa, pressa de corrigir essa
situação. E isso se reflete no meio
político. Preocupado em encontrar uma solução mais rápida para a recuperação do crescimento,
o próximo governante pode querer queimar etapas e não se dispor
a seguir uma política gradualista,
o que seria mais sensato agora. O
exemplo típico é a taxa de juros.
Quanto tempo o novo governo
estará disposto a esperar para poder reduzir expressivamente os
juros reais da economia? Tudo
depende do risco Brasil.
Folha - O que essa pressa poderia
provocar?
Senna - Uma política heterodoxa, capaz de assustar os investidores internacionais. Sem dispor de
crédito externo, o país acabaria
forçado a restringir os movimentos de capitais de alguma forma.
Seria absolutamente desastroso
para o Brasil. Esse é o maior risco.
Em suma, as incertezas ainda não
se dissiparam. Para que o quadro
se defina, não há substituto para o
resultado final das eleições e para
os anúncios acerca da equipe e da
política econômica do novo governo.
Folha - O acordo com o FMI pode
obrigar o Brasil a ter de aumentar
os juros?
Senna - Não há nenhum indício
no acordo que obrigue o país a
aumentar os juros. Claro que, se
houvesse essa obrigação, não seria anunciada, mas não é isso que
se conclui ao analisar o acordo. Se
houvesse aumento na meta do superávit primário, aí sim poderia
se pensar nessa hipótese de aumento de juros, mas não houve isso. Juros maiores significariam
aumento da dívida e, para compensar esse aumento, o Fundo
poderia exigir aumento na meta
do superávit primário. Um superávit primário maior compensaria o efeito ruim do aumento dos
juros sobre a dívida. Não há nenhum sinal concreto de que o
Fundo esteja recomendando um
aperto maior na política monetária. Como as metas de superávit
primário permaneceram inalteradas, os indícios são muito fortes
de que não deverá haver aumento
dos juros.
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