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ARTIGO/ECONOMIA AMERICANA
Greenspan, novo cavaleiro britânico, enfrenta hora da verdade
GERARD BAKER
DO ""FINANCIAL TIMES"
A última vez em que Alan
Greenspan teve seu mérito
reconhecido, recebendo um prêmio pelo trabalho excepcional na
direção do Federal Reserve (banco central dos EUA), foi há dois
anos, quando foi agraciado com o
Prêmio Enron de Serviço Público.
Na semana passada, surgiu a notícia de que ele se tornará cavaleiro
honorário do Império Britânico,
mais uma instituição que já deixou de existir, mas que durou um
pouco mais do que a empresa de
energia e, pode-se afirmar, causou mais danos a vidas e bens
americanos do que esta.
Deixando as brincadeiras de lado, o título não poderia ter sido
anunciado em momento mais
oportuno. De acordo com a justificativa apresentada, Greenspan
foi reconhecido por sua ""notável
contribuição à estabilidade econômica global". Poucos disputariam essa afirmativa.
Em seus 15 anos à frente do Fed,
Greenspan vem travando e vencendo batalhas contra inflação,
recessão e colapsos financeiros
nacionais e internacionais. Mas o
trabalho de um criador de políticas monetárias nunca se conclui.
No momento em que Sua Majestade se prepara para conceder o
título ao maior banqueiro central
do mundo, este enfrenta mais um
desafio tremendo, que pode macular sua brilhante reputação.
Recorrendo a dois clichês muito
usados por jornalistas esportivos,
os EUA se vêem ao mesmo tempo
diante de uma ""grande crise" e de
uma ""hora da verdade".
A parte da crise é o ponto de virada em que a recuperação frágil
se encontra neste momento. A
hora da verdade é a prova pela
pressão que esta crise vai impor à
confiança que o presidente do Fed
e muitos outros sentem na transformação econômica norte-americana no final dos anos 1990.
Contra-ataque
Até mais ou menos 8h30 da última quarta-feira, era plausível argumentar, como fez Greenspan,
que os EUA estavam a caminho
de uma recuperação sólida da recessão do ano passado. As cifras
mostravam crescimento anual de
mais ou menos 4%. O Fed previa
que esse crescimento fosse cair
um pouco no segundo semestre,
mas ainda pensava, e tinha boas
razões para isso, que o mais provável seria um crescimento de
3,5% neste ano.
Isso era notável por si só, uma
vez que a recessão do ano passado
parecia ser tão branda que alguns
especialistas chegavam a indagar
se ela de fato existira. Os dados
disponíveis até a quarta-feira passada diziam que a economia tinha
crescido mais de 1% no ano passado, com apenas um trimestre
de contração. Uma retomada sólida em 2002 teria sido uma confirmação impressionante da capacidade de recuperação da economia
americana e de sua força.
O Fed e os otimistas podiam argumentar que o pessimismo estava sendo exagerado e que, cedo
ou tarde, os fundamentos econômicos tirariam as empresas e as
Bolsas do baixo astral. Mas então
saiu o relatório do Departamento
de Comércio sobre o PIB (Produto Interno Bruto), e, em 15 minutos, a paisagem econômica dos
EUA se modificou por completo.
Já não havia dúvida alguma de
que houve uma recessão no ano
passado: três trimestres de crescimento negativo e quase nenhuma
expansão durante o ano como um
todo. Muito pior, porém, foi a notícia de que o primeiro semestre
deste ano não foi tão impressionante quanto aparentava ter sido.
Em lugar de 4%, o crescimento,
segundo as novas cifras, foi de 3%.
Pode não parecer uma mudança tão grande a ponto de justificar
a alegação de que os EUA agora se
vêem diante de uma ""grande crise". Mas a maioria dos economistas, incluindo os do Fed, já esperava um crescimento mais fraco no
segundo trimestre, já que a grande contribuição para o crescimento no primeiro trimestre veio
de uma correção de estoques que
não vai continuar. Quando o crescimento do primeiro semestre parecia ter sido de 4%, uma queda
para 3% não se configurava como
tão preocupante. Criticamente,
ela significaria que o ritmo ficaria
apenas um pouco abaixo da estimativa feita pelo Fed quanto ao
crescimento. Mas, se o crescimento está caindo de 3% para 2%, a
distância entre a produção real e
potencial torna-se muito maior.
O desemprego vai subir, reduzindo as rendas pessoais e refreando os gastos dos consumidores, que já devem ter sido prejudicados pela queda do mercado
acionário, e a utilização em capacidade máxima vai cair, o que indica que qualquer perspectiva de
uma retomada dos investimentos, que já não estava sendo prevista antes do início do ano que
vem, será adiada ainda mais.
Milagre ameaçado
Pior ainda: esse abalo provocado na perspectiva otimista do Fed
vem sendo exacerbado pelos primeiros dados econômicos que estão chegando, relativos ao segundo semestre. As cifras referentes à
atividade industrial em julho são
bem mais fracas do que estava implícito até mesmo nas expectativas do próprio Fed de um crescimento ligeiramente menor no segundo semestre. Some-se a isso o
fato de que a queda das Bolsas
vem sendo tão mais marcante do
que se previa e percebe-se que temos o potencial para que seja desferido um golpe realmente forte
contra a demanda e a produção
neste segundo semestre.
Como se tudo isso não bastasse
para Greenspan, os dados também sugerem que seu otimismo
de longo prazo com relação ao desempenho econômico enfrenta
uma ""hora da verdade".
As revisões do PIB tiraram um
pouco mais do chamado ""milagre
de produtividade" do final dos
anos 1990. Mas, o que talvez seja
ainda mais importante, o risco,
agora maior, de uma recessão de
duplo mergulho pode prejudicar
as estimativas de uma tendência
de crescimento de longo prazo, se
a baixa nos investimentos continuar e a prolongação da fraqueza
na demanda deprimir ainda mais
a produtividade.
Ainda é possível evitar essa desenlace desanimador, é claro. Os
EUA poderiam passar bem por
este ponto de virada, mantendo a
demanda dos consumidores, possivelmente por meio de mais cortes nos juros, para gerar a aguardada retomada nos investimentos. E a ""verdade" revelada naquela ""hora" pode acabar justificando todo o otimismo do Fed.
Mas não há como negar que os
riscos são altos.
Tradução de Clara Allain
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