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CAPITALISMO VERMELHO
Para estudioso norte-americano, má qualidade de empréstimos deve levar bancos ao colapso
China terá crise financeira, diz professor
Andrew Wong - 22.jun.04/Folha Imagem
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Linha de montagem de carros em Pequim; professor da Universidade de Pequim adverte sobre riscos de colapso bancário iminente |
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
Apesar do crescimento de 9%
ao ano no último quarto de século, a China não está livre de turbulências econômicas e "definitivamente" terá uma crise financeira,
diz o economista norte-americano Michael Pettis, 46, professor de
finanças internacionais da Universidade de Pequim.
Na China há três anos, Pettis
aponta o sistema bancário como a
principal fonte de instabilidade
no país. Estatais e dominados por
critérios políticos, os bancos chineses acumularam na última década uma montanha de créditos
de má qualidade, que dificilmente
serão recuperados.
No fim, a conta será paga pelo
governo, o que eleva a dívida da
China a níveis estratosféricos.
"Não há nenhum caso na história de uma economia emergente
em rápido crescimento e processo
de integração ao mundo que não
tenha tido uma crise financeira",
diz Pettis, que foi diretor do banco
de investimentos Bear Stearns e
professor da Escola de Negócios
da Universidade de Columbia.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha - Qual é a situação do sistema financeiro na China?
Michael Pettis - Há dois tipos de
problemas. O primeiro é que ele
não atua da maneira que um sistema financeiro deveria atuar, canalizando dinheiro dos poupadores para os usuários mais eficientes do capital.
O sistema financeiro na China é
constituído quase exclusivamente
pelos bancos. Há mercados de
ações e de bônus, mas eles são tão
pequenos que não têm impacto.
Quem consegue empréstimos na
China? Não são as melhores companhias, mas as que têm um tipo
de influência política que lhes dá
acesso a financiamentos. São
grandes companhias que têm vínculos com os dirigentes das províncias e dos municípios e, infelizmente, elas costumam ser as piores. Seu objetivo não é criar riqueza e prosperidade, mas empregar
pessoas, normalmente por critérios estabelecidos pelos dirigentes
provinciais e municipais.
Folha - O segundo problema?
Pettis - Esses bancos têm uma
longa história de concessão de
empréstimos com base em razões
políticas em oposição a razões
econômicas e, em conseqüência,
eles têm um volume considerável
de empréstimos de má qualidade.
Em que valor? Realmente não sabemos. O número oficial aponta
para algo em torno de 15% a 20%.
Para se ter uma idéia, o Japão, que
é considerado um caso de sistema
bancário desastroso, tinha créditos de má qualidade próximos de
10%, 12%, 15% do total.
Na China, o número real é bem
superior à estimativa oficial. Provavelmente, algo entre 30% e 50%
do total de empréstimos seriam
de má qualidade.
Folha - Em números absolutos, de
quanto estamos falando?
Pettis - A economia chinesa tem
um tamanho entre US$ 1,3 trilhão
a US$ 1,5 trilhão e o total de empréstimos em relação ao PIB está
em torno de 120% a 130%, o que
nós dá um valor aproximado de
US$ 1,56 trilhão a US$ 1,95 trilhão
em financiamentos. Se considerarmos que de um terço a metade
é de má qualidade, chegamos a
um número que varia de US$ 470
bilhões a US$ 970 bilhões.
A maior parte dos empréstimos
é feita por bancos estatais. Os depositantes chineses colocaram
seu dinheiro nos bancos, que os
transformaram em empréstimos.
Em teoria, quando eles recebem
os empréstimos, esse dinheiro estará disponível para pagar os depositantes. Mas na realidade, eles
não vão recuperar o dinheiro.
Quanto de dinheiro eles não vão
recuperar? Nós não sabemos, mas
vai faltar muito dinheiro, porque
vários tomadores estão quebrados. Esse valor pode ser equivalente a 40% do PIB ou mais. Isso
significa que alguém vai perder
dinheiro em um valor próximo a
40% do PIB. Serão os depositantes? Quase certamente não. Provavelmente teríamos uma revolução social. No fim, a responsabilidade é do governo.
Quando pensamos na dívida do
governo, temos de considerar o
débito oficial, que é um pouco superior a 20% do PIB e é muito
bem estruturado, e incluir o débito "escondido" em âmbito municipal e provincial. Um economista
chinês estima que este valor seja
de 10% do PIB. Não sei se esse número é correto, mas isso traria o
débito formal da China para algo
em torno de 30% do PIB, que é
um número muito bom.
O problema aparece quando se
soma o débito do sistema bancário. Quando somamos a isso, o total das obrigações do governo sobe para 60%, 80% ou 100% do
PIB. Não temos segurança sobre o
número, mas sabemos que é bem
maior que a dívida formal.
Folha - Apesar desses problemas,
a economia chinesa vem crescendo
há 26 anos a uma média próxima
de 9% ao ano.
Pettis - Há modelos diferentes
de rápido crescimento em uma
economia emergente. O chamado
modelo latino-americano tem períodos de rápido crescimento seguidos de crises de dívida, que revertem muito do crescimento.
Outro é o modelo norte-americano do século 19, que tem um amplo período de rápido crescimento, mas ele não é suave. Os Estados Unidos no século 19 eram um
lugar extremamente instável para
investimentos. O país tinha graves crise a cada 10 a 15 anos, algumas delas brutais.
Minha suspeita é que a China terá um caminho semelhante aos
dos Estados Unidos no século 19.
Crescimento decente e rápido ao
longo de tempo, com grande melhoria na economia nos próximos
30 a 40 anos, mas não vai ser um
processo suave. Será turbulento e
uma das maiores fontes de turbulência será o sistema financeiro.
Folha - Os bancos chineses estão
quebrados?
Pettis - O clichê que os economistas usam é a distinção entre liquidez e insolvência. Os bancos
chineses estão insolventes, mas
não ilíquidos. Pelo contrário, eles
são extremamente líquidos e entre as razões estão a política monetária e o fato de que os chineses
poupam cerca de 40% do PIB.
Todos os dólares que entram na
China são vendidos ao Banco
Central, que os compra emitindo
RMB, o que aumenta a liquidez.
Isso é bom ou ruim, dependendo
do seu ponto de vista. É bom para
os bancos porque eles não têm de
lidar com o problema de insolvência, mas é ruim porque eles estão aumentando seus empréstimos de forma muito rápida.
Em um bom sistema bancário,
como o do Brasil, se víssemos empréstimos crescerem em 20% ou
30% ao ano, ficaríamos nervosos,
ainda que os bancos brasileiros
tenham um bom histórico.
Em um país como a China, que
não tem história bancária nem
uma cultura creditícia e onde o
sistema é gerido mais por medidas administrativas do que econômicas, é muito difícil imaginar
que um rápido crescimento no total de empréstimos não leve também a um rápido crescimento do
total de créditos de má qualidade
no futuro.
Folha - Qual é o ritmo de crescimento dos empréstimos?
Pettis - O último número que vi
era um pouco superior a 20%. E
isso depois de ter diminuído em
razão das medidas adotadas pelo
governo a partir de fevereiro e
março para reduzir o ritmo de
crescimento da economia.
Folha - A conclusão é que o governo terá de pagar pelos empréstimos de má qualidade?
Pettis - Acho que é muito difícil
imaginar que o governo não pague. Isso levaria a um enorme
problema social, porque as pessoas não têm nenhuma segurança
com exceção de sua poupança.
Folha - O governo tem dinheiro
para isso?
Pettis - Em teoria, poderia emitir
dinheiro, mas isso é inflacionário.
Nos últimos 20 anos, períodos de
instabilidade foram associados à
inflação. Por isso, o governo não
quer esse caminho. Se houvesse
uma crise, creio que o governo
anunciaria algo como o adotado
na Argentina, que é uma restrição
à possibilidade de os depositantes
retirarem dinheiro dos bancos.
Folha - O sr. não está dizendo que
a China vai ter uma crise financeira, mas sim que a situação do país é
vulnerável e pode levar a uma crise
caso haja problemas em algum momento?
Pettis - Eu iria mais longe. A
China definitivamente terá uma
crise financeira. Terá muitas crises financeiras. Não há nenhum
caso na história de uma economia
emergente em rápido crescimento e processo de integração ao
mundo que não tenha tido uma
crise financeira.
A questão é como a crise financeira vai se manifestar, quais são
seus mecanismos e suas as conseqüências.
Folha -Quanto o governo já gastou no saneamento do sistema financeiro?
Pettis - É difícil dizer, porque o
governo é dono do sistema financeiro. Gastar dinheiro no sistema
financeiro é tirar dinheiro de um
bolso e colocar no outro. O que foi
transferido para os bancos nos últimos anos é algo em torno de
US$ 50 bilhões e US$ 70 bilhões.
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