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EFEITO COLATERAL
Desvalorização do dólar reduz peso do passivo no balanço das empresas, mas falta caixa para amortização
Real forte faz evaporar R$ 83,8 bi em dívidas
ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A valorização do real fez evaporar R$ 83,8 bilhões das dívidas em
moeda estrangeira de empresas
de capital aberto nos primeiros
seis meses de governo Lula. De janeiro a junho, o total dos débitos
caiu de R$ 464,7 bilhões para R$
335,1 bilhões -uma redução de
R$ 129,6 bilhões.
Pequena parte dessa queda
ocorreu porque algumas companhias aproveitaram o período para amortizar seus débitos. Mas a
causa principal da redução foi
contábil: o recente recuo do câmbio diminuiu, no papel, o valor
em real das dívidas em moeda estrangeira do setor privado.
A simples valorização do real foi
responsável por 64,7% da queda
total da dívida, ou R$ 83,8 bilhões
dos R$ 129,6 bilhões "economizados" pelas companhias. Os dados
são de um levantamento da Folha
com base em dados da Economática. Só entram nessa amostra empresas com capital aberto (com
ações em Bolsa).
Além desses débitos, há outros,
contratados em moeda brasileira,
que não foram contabilizados
nessa equação. Cerca de 70% dos
débitos do setor privado são em
dólar ou acompanham a cotação
da moeda norte-americana.
Sem receitas
Para empresas com receitas em
real, poderia ter sido um momento propício para amortizar dívidas em dólar. Mas a freada da economia impediu maiores avanços
na redução do passivo.
"Todas as evidências mostram
que houve uma liquidação mínima de dívidas com o próprio caixa das empresas. Não houve vendas fabulosas nos últimos meses",
afirma Fernando Exel, presidente
da Economática.
Os balanços semestrais das empresas, que trazem informações
sobre receita e dívida, serão publicados a partir de agosto. Mas números já divulgados sobre o primeiro trimestre confirmam essa
tendência. De janeiro a março, o
lucro operacional (obtido com a
venda de mercadorias e serviços)
encolheu 71,3%. Débitos também
caíram, mas bem menos (5,7%).
No final de dezembro, a forte alta do dólar havia feito o endividamento das companhias disparar
do dia para a noite. Seis meses
após essa escalada, por causa da
desvalorização da moeda americana acumulada em 20,5% de janeiro a junho, os débitos caíram
de forma vertiginosa.
Resultado: o que era dívida no
começo do ano evaporou dos balanços agora. As empresas passaram a dever menos sem fazer nenhum esforço, em grande parte
graças ao recuo do câmbio.
O impacto da variação do real
na dívida das empresas revela a
diversidade de interesses e de
pressões do setor privado com relação à política cambial. Nas últimas semanas, empresários ligados ao setor exportador reforçaram o coro de que as companhias
estão sendo duramente atingidas
pelo tombo do dólar.
O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial),
por exemplo, estimou que o Brasil
vá perder cerca de US$ 4 bilhões
neste ano em exportações devido
ao impacto do real valorizado.
Empresários afirmam que o
simples efeito contábil do "real
forte" sobre o passivo das empresas é artificial e insuficiente. Segundo eles, apenas a disparada
nas vendas ao exterior, impulsionadas por um câmbio favorável,
poderia aumentar o faturamento
e, portanto, a capacidade de pagamento de algumas empresas.
Esse processo estava ocorrendo
até os primeiros meses do ano.
Mas os benefícios de uma demanda externa crescente e preços internacionais fortes, aliados a uma
taxa de câmbio favorável, não se
estenderam ao segundo trimestre, na avaliação de Osvaldo
Schirmer, vice-presidente-executivo do grupo Gerdau.
Mas não se trata de uma equação tão simples. Também há ganhos potenciais e sutis com o
tombo do dólar, principalmente
por conta da redução (mesmo
que contábil) no volume das dívidas do setor privado.
Somente o total de dívidas vencidas e não pagas por grandes empresas do país já chega a US$ 7,3
bilhões. Esses valores estão sendo
reestruturados, e o valor do real
funciona como fator de barganha
nas negociações.
"As empresas vão perceber
mais claramente esse efeito contábil quando fizerem as contas do
balanço do semestre. Mas isso pode mudar caso o dólar volte a disparar nos próximos meses", afirma o economista Antônio Corrêa
de Lacerda.
Dívida "saudável"
Analistas ressaltam que é preciso olhar com cautela redobrada o
volume de dívidas do setor privado. Principalmente dívidas contraídas para investimentos. Segundo eles, as empresas se endividam por duas razões: ou pegam
recursos para investir em novos
projetos ou captam dinheiro apenas para pagar dívidas antigas.
"Há dívidas de qualidade, que
precisam ser feitas", diz Erivelto
Rodrigues, da Austin Asis.
"O que existe é medo. Medo de
se endividar num período de retração e pagar caro por isso lá na
frente, se a economia não reagir",
diz Alberto Borges Matias, presidente da ABM Consulting.
Em momentos como esses, várias das captações acabam tendo
como destino frequente a rolagem de dívidas em vencimento.
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