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RETOMADA EM XEQUE
José Roberto Mendonça de Barros acredita que crescimento vai ocorrer com aumento de horas trabalhadas
Expansão não trará emprego, diz economista
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil vai crescer em 2004,
mas a expansão não será suficiente para reduzir as altas taxas de
desemprego atuais, na avaliação
do economista José Roberto
Mendonça de Barros, 59, que ocupou a Secretaria de Política Econômica e a secretaria-executiva
da Camex (Câmara de Comércio
Exterior) no governo Fernando
Henrique Cardoso.
A origem da versão tupiniquim
do crescimento sem emprego está
na forte queda da renda ocorrida
ao longo de 2003. Com a retração
da renda e da atividade econômica, muitos trabalhadores, especialmente do setor informal, passaram a trabalhar menos horas e
estariam "ávidos" por recuperar
essa perda.
Folha - O otimismo do mercado
com o Brasil é justificado ou vivemos uma "exuberância irracional'?
José Roberto Mendonça de Barros - Os mercados, em geral, são
muito exuberantes, mas acho que
tem uma base que é correta. A
perspectiva para o ano que vem é
melhor do que a para este ano.
Existem algumas condições que
permitem dizer isso. O problema
não é a recuperação, mas a sustentabilidade do crescimento.
Primeiro, a economia mundial
deve crescer muito, a taxas que
podem superar 4%. Um crescimento de 4% significa uma expansão do comércio mundial
próxima de 10%, e isso é muito
bom para o Brasil, porque nós estamos tendo na exportação uma
das fontes de expansão.
Também vai ajudar o fato de
que o dólar está se desvalorizando
ante o euro e o iene. Como nós somos de alguma forma plugados
no dólar, isso ameniza a valorização que o real teve ao longo deste
ano e melhora a nossa competitividade. Finalmente, deve permanecer um cenário de juros muito
baixos, com uma liquidez extraordinária no mundo.
Folha - Quais são os riscos?
Mendonça de Barros - Teríamos
que colocar na mesa, mas não
prever por definição, questões ligadas ao terrorismo. Fora isso, há
o risco do início da mudança da
política monetária americana. Em
algum momento não distante do
futuro, se esse aquecimento forte
ocorrer, com o dólar desvalorizando e, portanto, com pressão de
preços nos Estados Unidos, a inflação vai se colocar como possível problema, e o Banco Central
americano vai começar a aumentar juros. Aí reverte-se boa parte
do que eu falei. Só que os mercados esperam que isso só aconteça
no fim do primeiro ou no segundo semestre, e até lá nós temos
chão.
Folha - E o cenário interno?
Mendonça de Barros - Nós teremos alguma recuperação no consumo das famílias. A recuperação, mais do que tudo, virá pelo
caminho do crédito, porque a Selic [taxa básica de juros da economia, hoje em 17,5%] vai continuar
sendo reduzida. Podemos chegar
no fim do ano que vem a algo entre 13,5% e 14%. Como a inflação
esperada está próxima de 6%, isso
significa um juro real de um dígito, 8%, 8,5%, 9%, mais ou menos.
Ainda é uma taxa alta, mas para
nós é uma taxa confortável.
Folha - A queda da renda neste
ano não pode inibir a recuperação?
Mendonça de Barros - A queda
faz com que a gente parta de uma
base menor e que o impacto do
crédito não seja tão intenso quanto alguns outros analistas estão
esperando. Mas, ainda assim,
acho que é possível que o crédito e
o consumo puxem um pouco o
crescimento do ano que vem.
Deixa eu fazer um parêntese e
olhar o que aconteceu com o consumidor. A renda não só caiu bastante, mas a queda foi maior em
certos segmentos, como o dos trabalhadores por conta própria. A
queda de renda real desse grupo é
de 20% em menos de um ano.
Isso se traduz em número menor de horas trabalhadas, em menos fregueses e no fato de que o
preço desses serviços não consegue ser reajustado. Quem vai ser
beneficiado pelo crédito é o grupo
CLT e o de mais alta renda. Isso limita um pouco o crescimento.
Mas a maior implicação da fraqueza do mercado consumidor e
da perda da renda não é na retomada, mas na queda do desemprego. A retomada haverá, mas,
se for de 3%, 3,5%, a alta da produção vai se fazer com maior número de horas trabalhadas. Especialmente na informalidade,
quem está trabalhando poucas
horas está ávido para trabalhar
mais. O impacto sobre o desemprego será pequeno. Precisaremos acumular dois, três anos de
crescimento para ter alguma coisa
no mercado de trabalho.
Folha - Esse raciocínio se aplica
também aos investimentos?
Mendonça de Barros - No caso de
investimento, acho que nós estamos com um quadro mais díspar.
Há três setores que têm investido
nos últimos anos e vão continuar
a investir: "agribusiness", gás e
petróleo e o setor de minérios e
metais. Esses três setores operam
com preços em dólares, têm exportações e não dependem tanto
do crédito doméstico, porque obtém financiamento lá fora.
No outro extremo, nós temos
alguns segmentos, como o automobilístico, onde o excesso de capacidade ainda é muito alto. Portanto, esse setor não vai investir.
Nos setores leves, do tipo têxtil e
calçados, houve investimento,
mas não tem muita pressão de capacidade. Acho que a demanda
para investimento nesse setor vai
ser relativamente modesta.
O nó está na infra-estrutura. Aí
é que será jogado o jogo principal.
Se tirarmos a infra-estrutura, vamos ter no ano que vem um pouco mais do mesmo deste ano em
termos de investimento. Alguns
setores estão bem, outros não estão investindo, só que a média da
taxa de investimentos é baixa.
O que pode fazer diferença é
voltar a haver investimentos em
infra-estrutura. Esse é o jogo principal, que pode, inclusive, dar sustentabilidade ao crescimento.
Transporte, energia e saneamento
se colocam hoje como restrições
objetivas a um crescimento sustentado, como a energia elétrica
foi em 2001.
Folha - Qual é a possibilidade de
esses investimentos ocorrerem?
Mendonça de Barros - No ano
que vem é muito baixa, porque
nós ainda estamos em um passo
anterior, que é a questão regulatória. Quando somamos a indefinição com relação às agências reguladoras e todas as indefinições da
PPP, a Parceria Público-Privada,
isso me diz que, no melhor cenário, essas dúvidas vão ser só reduzidas ao longo do ano que vem.
Folha - Que outros fatores impedem o crescimento sustentado?
Mendonça de Barros - Acho que
nós temos uma questão de fundo
com relação ao modelo fiscal. Nos
últimos anos, o atendimento das
metas do superávit primário
-que corretamente são colocadas- acabou levando a um aumento de carga fiscal continuado.
O caminho que se está repetindo
com o novo governo é: aumenta-se o tamanho do superávit primário e há a postergação de despesa
para atender boa parte disso. O
corte nunca é estrutural. O primeiro exemplo de corte estrutural
é a reforma da Previdência.
O que acaba acontecendo é que
a pressão vai subindo e chega
uma certa hora em que é preciso
autorizar alguma despesa. Como
o crescimento tem sido pequeno,
a única forma de fazer isso é elevar imposto, o que reduz o investimento, porque a taxa de retorno
vai ser menor quanto mais o fluxo
de caixa for drenado por tributos.
Folha - Como sair desse nó?
Mendonça de Barros - Assim como nós levamos oito, nove anos
para chegar à conclusão de que tínhamos de mexer na Previdência,
nós estamos começando um debate sobre a mudança na estrutura de gasto do governo.
Folha - Dá para crescer com o
atual nível de câmbio e juros reais?
Mendonça de Barros - Com o juro real deste ano não. Mas nós estamos caminhando para juro real
de um dígito. Está longe do ideal,
mas já permite alguma coisa.
Quanto ao câmbio, diria que antes desse crescimento mundial,
que se consolidou de oito meses
para cá, e desse ganho dos termos
de troca, o câmbio estava valorizado. Mas como houve essa correção dos termos de troca -os
preços dos nossos produtos subiram muito e mais do que os preços da importações-, isso permite que muita gente seja competitiva com o câmbio de R$ 3.
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