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COMÉRCIO EXTERIOR
Presidentes dos países do bloco retomarão programa que prevê um mercado comum já para 2006
Cúpula discute na terça Mercosul dos sonhos
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
No dia 1º de janeiro de 2006, todos os bens produzidos no Mercosul circularão livremente no espaço econômico integrado por
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Mercosul será um enorme
mercado de mais de 250 milhões
de habitantes.
Uma mesma e única TEC (Tarifa Externa Comum) vigorará para
o comércio de produtos entre o
Mercosul e o resto do mundo. O
Mercosul será um território aduaneiro único e não haverá barreiras
alfandegárias ao fluxo comercial
interno. O conceito de fronteira
praticamente deixará de existir do
ponto de vista econômico.
Regulamentos e normas técnicas estarão harmonizados, os
produtos respeitarão os mesmos
critérios e especificações na produção e serão vendidos a consumidores que terão garantidos direitos equivalentes, independentemente de seu país de origem.
A liberalização do comércio de
serviços estará avançada, e os efeitos se farão sentir: profissionais de
várias áreas começarão a ver expandir o mercado de trabalho.
Os Ministérios de Economia e
os Bancos Centrais dos quatro
países, tendo atingido suas primeiras metas fiscais comuns,
avançarão no processo de coordenação macroeconômica.
O Mercosul estará inserido, por
outro lado, em uma rede de acordos de liberalização comercial
que abarcará todo o continente e
se espalhará por outros países.
Tudo o que se leu acima é delírio
de mente ensandecida? Talvez.
Mas está na página da internet do
Ministério de Relações Exteriores
do Brasil e, mais, estará também
sobre a mesa em que se reunirão
na terça, em Montevidéu, os quatro presidentes do bloco.
O delírio, sonho ou utopia chama-se "Objetivo 2006", um ambicioso programa de integração
lançado na cúpula anterior (junho), cujo andamento será revisto agora pelos mandatários.
Se os presidentes olharem para
trás, parecerá delírio o Mercosul-2006 descrito pelo Itamaraty.
O Brasil, o maior país do bloco,
terá crescimento zero neste ano,
está com desemprego recorde, e
as perspectivas do "espetáculo do
crescimento", prematuramente
anunciado pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, são motivo
de polêmica entre agentes do governo e o empresariado.
A Argentina, o segundo grande
sócio, mal está saindo da maior
crise de sua história, ainda com
desemprego elevado, em moratória na dívida externa e com um
número recorde de pobres.
Paraguai e Uruguai, sócios menores, não escaparam de crises.
Mas a cúpula de terça-feira já
marcará o atendimento de alguns
dos pontos do Mercosul dos sonhos prometido para 2006.
Um dos acordos será exatamente a liberalização dos serviços entre os países, o que permitirá que
um escritório de engenharia brasileiro, por exemplo, atue em
qualquer um dos três outros países como se fosse local.
É possível que seja também
anunciado o acordo sobre compras públicas, o que liberará para
firmas dos países-membros do
Mercosul a participação nas concorrências públicas federais de
bens, serviços e obras.
Também deve ser assinado o
acordo de livre comércio entre o
Mercosul e os países andinos
(Equador, Colômbia e Venezuela), mais um nó na "rede de acordos de liberalização comercial
que abarcarão todo o continente",
descrita no Mercosul dos sonhos.
A eliminação das exceções hoje
em vigor na TEC já é uma decisão
antiga, prometida para ser totalmente implementada em 2006.
O Mercosul será então uma
união aduaneira perfeita e acabada. Trata-se de um estágio superior ao de zona de livre comércio.
Nesta, são zeradas as tarifas de
importação para a produção proveniente dos sócios do bloco. Na
união aduaneira, além disso, vigora a mesma e única tarifa para o
comércio de produtos do resto do
mundo para o Mercosul.
Mas o "Objetivo 2006" eleva a
mira e busca um mercado comum, do qual o principal modelo
é hoje a União Européia, o bloco
de 15 países (serão 25 a partir de 1º
de maio), 12 dos quais trabalham
até com moeda única.
O Itamaraty descreve assim o
mercado comum:
"A maior diferença entre o mercado comum e a união aduaneira
é que esta regula apenas a livre circulação de mercadorias, enquanto o mercado comum prevê também a livre circulação de capital e
trabalho. Dessa liberalização decorre, por um lado, a livre circulação de pessoas (trabalhadores ou
empresas) e, por outro, a livre circulação de capitais (investimentos, remessas de lucro etc.)".
É uma descrição que encaixa à
perfeição no Mercosul utópico
previsto no "Objetivo 2006".
Se se vai chegar lá é uma questão
aberta. Mas o simples fato de estar
na agenda dos presidentes representa uma reversão formidável no
quadro anímico do bloco durante
parte do ano passado.
À época, as crises nos países deram início à discussão da possibilidade de retroceder da união
aduaneira, mesmo incompleta, a
uma mera zona de livre comércio.
(CLÓVIS ROSSI)
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