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SONHO DISTANTE
Supérfluos são os primeiros a serem cortados da lista, mas itens como educação dos filhos também sofrem
Aperto faz classe média "baratear" hábitos
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Espremida entre as agruras do
presente e as incertezas do futuro,
a classe média vive na corda bamba. Para se equilibrar sobre uma
renda cada vez mais tênue ela
abriu mão de símbolos de sucesso, de conforto e, em alguns casos,
cortou a própria carne.
A pesquisa Ipsos-Marplan detectou que nos últimos seis anos
as classes A e B -consideradas
classe média pelos bens que possui e pelo nível de renda- cortaram fundo os gastos supérfluos.
Esses são os primeiros a serem
abatidos pela tesoura quando a situação aperta.
No entanto, mesmo despesas
consideradas sagradas pelas famílias, como as com educação dos filhos, vêm entrando na lista de
contenção de gastos. O alto custo
das mensalidades escolares é o
responsável pela migração de alunos das escolas particulares para
as públicas.
Segundo a pesquisa do Índice
do Custo de Vida da Classe Média, elaborada pela Ordem dos
Economistas de São Paulo, as
mensalidades escolares aumentaram 205%, desde o Plano Real até
maio deste ano, na cidade de São
Paulo. "A classe média há muito
tempo vem migrando para a rede
pública", diz Peter Greiner, coordenador do ICVM.
Dados da Ipsos-Marplan revelam que no ano passado caiu 2,1%
o percentual de filhos da classe
média alta em escolas particulares. Ao mesmo tempo, aumentou
3,7% o percentual desses estudantes na rede pública. Na classe A já
chega a 18,3% o percentual de estudantes entre 10 e 19 anos de idade, que frequentam escolas do governo. Na classe B, esse percentual sobe para 54,8%.
Egos feridos
A corrosão financeira que derrubou o padrão de vida da classe
média e feriu egos atingiu seu ápice em 2002. "O nível de consumo
se deteriorou até 2001, mas no ano
passado a queda foi mais acentuada", diz Daina Ruttul, diretora da
Ipsos Brasil, empresa de pesquisa
de mercado origem francesa.
As classes A e B passaram a malhar menos em academias, trocaram um Chateauneuf-du-Pape
pelos vinhos da serra gaúcha e o
malte escocês pela velha e boa caipirinha. Entre 1998 e 2002, os itens
bebidas importadas e frequência
a academias foram os que mais
perderam espaço nos hábitos de
consumo dessas classes, segundo
a pesquisa Ipsos-Marplan.
Também a cultura e o lazer padeceram: o percentual de pessoas
de classe média que frequentam
clubes, teatros e viajam no país e
para o exterior encolheu desde
1998. Até as "neuras" com segurança -típicas de quem ainda
tem algo a perder- foram engavetadas. Apenas 37,5% da classe A
e 14,4% da B têm seguro de carro,
por exemplo.
Outras obsessões, como o estudo de línguas, estão sendo revistas
principalmente pela classe A. No
ano passado, caiu 8,5% o percentual de pessoas desse segmento
que estuda inglês.
Segundo Ruttul, elas puderam
abdicar desse gasto, pois 53% da
classe A já lê e fala inglês. "Mas a
classe B continua estudando, pois
só 20% dela domina o idioma."
Ao podar os orçamentos, entretanto, ninguém mergulhou no
purgatório: a classe média perdeu
a pose, mas não abandonou o
gosto pelo que é bom -tampouco abdicou de sonhos. "Tudo que
exige uma renda maior foi substituído: as viagens mais longas, por
exemplo, foram trocadas pelas de
final de semana", observa Ruttul.
A "troca" vale também para o
lazer: nos últimos seis anos diminuiu o percentual de pessoas que
frequentam teatros, mas, em
compensação, aumentou o daquelas que curtem um bom livro
como forma de entretenimento.
Alguns bens de consumo, entretanto, escaparam do "check-list".
Microcomputadores e celulares
foram os únicos que aumentaram
sua presença nos lares de classe
média, acima da taxa de crescimento populacional. "Esses produtos ainda têm baixa penetração, especialmente na classe B, e
tiveram redução de preços por
conta da evolução tecnológica e
aumento da concorrência", diz
Ruttul. No último ano, porém, o
consumo desses itens estagnou.
Segundo Ruttul, a população
brasileira cresceu 15% nos últimos seis anos. "Para manter o padrão de vida, o consumo de bens
teria de ter crescido na mesma
proporção, o que não aconteceu."
Juízo
O aperto na renda mudou não
só o padrão de consumo da classe
média, mas levou-a à reflexão.
Pesquisa realizada pela Interscience em seis capitais mostra que
essas pessoas estão preocupadas
com o futuro, menos consumistas
e mais poupadoras.
Nos últimos anos elas passaram
a planejar gastos, comprando menos por impulso. Segundo a pesquisa, cresceu na classe média o
hábito de fazer orçamento doméstico. Em 1994, só 35% das famílias controlavam as despesas
na ponta do lápis: em 2002, 68%
faziam orçamento.
O objetivo de pôr ordem nas finanças, segundo Paulo Secches,
presidente da Interscience, é deslocar recursos de bens de consumo para a formação de uma poupança para o futuro. "Esse movimento se intensificou nos últimos
anos, devido às oscilações da economia e ao temor do desemprego", diz Secches.
No ano passado, o percentual de
pessoas da classe A que compraram um plano de previdência, para complementar renda na aposentaria, aumentou 67%. Na classe B o impulso foi de 56%, segundo dados da Ipsos. Na ginástica
que tem sido obrigada a fazer para
enfrentar os novos tempos, a classe média, ao que parece, tomou
juízo e agora mira o longo prazo.
É condição para sobreviver.
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