|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AVALIAÇÃO
Combinação de alta dívida, problemas sociais e elevado superávit primário pode levar a essa situação, diz economista
Para Davos, dívida pode ser insustentável
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A dívida brasileira pode, sim,
tornar-se insustentável.
Palavra de Augusto López-Claros, economista-chefe do Fórum
Econômico Mundial, a instituição
que tem status de consultora das
Nações Unidas e, todo janeiro,
reúne na suíça Davos a nata dos
governantes, acadêmicos e homens de negócio do planeta.
O Fórum é tido, por isso, como
uma espécie de grande porta-voz
da ortodoxia econômico-financeira mundial. Ao reconhecer que
a dívida pode se tornar insustentável, López-Claros não está sendo heterodoxo, mas fazendo uma
análise fria da realidade, quase
científica, ao contrário dos extremos que tratam ou o calote ou o
seu inverso como questão de fé.
Como a dívida se torna insustentável? Pela combinação de alto
nível de endividamento (raciocínio que vale para Brasil e Argentina, que já está em moratória), do
"desconforto da população" e o
fato de que o elevado superávit
primário necessário para honrar a
dívida não deixa recursos para
enfrentar problemas sociais.
"Mas é impossível prever se essa
situação vai se dar no futuro próximo", diz López-Claros.
Se os juros norte-americanos
subirem muito, se o preço do petróleo ficar elevado por um prazo
longo, levando o mundo ou à recessão ou à desaceleração da economia, "será mais complicado
para Brasil e Argentina", diz o
economista-chefe do Fórum.
O economista encara com frieza
também o tema da reestruturação
da dívida, usando um exemplo
concreto, o da Rússia.
Primeiro, diz que a reestruturação nada mais é que "conciliar os
interesses do país, que quer proteger ao máximo seus recursos, para investimentos, e dos credores,
que querem ficar com a maior
parcela possível desses recursos,
para honrar a dívida".
No caso da Rússia, chegou-se ao
que parecia um bom equilíbrio,
na negociação concluída em 2000,
depois do "default" de 1998. Mas,
daí em diante, o preço do petróleo
começou a subir bastante, com o
que o acordo acabou sendo "fantasticamente conveniente para a
Rússia" (porque entraram mais
recursos do que os previstos).
Mas, atenção, López-Claros não
vem ao Brasil (chega segunda-feira, junto com o executivo-chefe
do Fórum, José Maria Figueres),
para recomendar calote, reestruturação ou algo parecido.
Vem discutir o seu trabalho
central hoje, que é o ranking de
competitividade que o Fórum elabora anualmente.
Nesse ponto, como em tantos
outros, o Brasil é o clássico caso de
copo meio cheio, meio vazio.
Avançou, nos últimos dez anos,
em absorção de tecnologia e em
investimentos estrangeiros diretos, mas continua com sérios problemas de competitividade, a
ponto de figurar apenas no 54º lugar do ranking, embora seja a 15ª
economia do planeta.
O grande nó brasileiro está, como ensina o ranking, na macroeconomia. Nas outras duas pernas
que compõem a avaliação, o resultado é bom em tecnologia (35º
lugar contra 54º no ranking geral)
e médio em qualidade das instituições (53º lugar). Mas, em macroeconomia, o Brasil fica em humilhante 75º lugar.
"Se quiser aumentar a competitividade, o Brasil tem que melhorar radicalmente seu manejo macroeconômico e continuar fazendo as boas coisas que está fazendo", diz López-Claros.
No âmbito político, no entanto,
a visita dos dirigentes do Fórum
será música aos ouvidos do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
José Maria Figueres diz que vem
ao Brasil inspirado pelo "desenvolvimento do país, pela liderança que exerce na América Latina e
pela liderança brasileira no plano
mundial, que se refletiu com toda
a clareza e transparência nos casos do açúcar e do algodão e no
acordo sobre produtos agrícolas".
É uma alusão às vitórias do Brasil em disputas na OMC sobre
açúcar e algodão e ao papel da diplomacia brasileira para destravar a Rodada Doha de liberalização comercial.
De todo modo, os elogios de Figueres ao Brasil não bastam para
ocultar as preocupações do público do Fórum (as grandes companhias globais) com, por exemplo,
a reação ao que ele chama de "vicissitudes", como o altíssimo preço do petróleo.
As empresas globais estão preocupadas igualmente, relata o executivo-chefe do Fórum, com a
discussão em torno das PPP (Parceiras Público-Privadas), paralisadas no Congresso, e com a regulamentação do setor energético.
Mas, pelo que diz Figueres, os
renitentes pedidos de paciência
do presidente Lula encontram
acolhida em Davos. A Folha quis
saber dele se era mantida a expectativa global de que Lula seria capaz, a um só tempo, de preservar
a estabilidade macroeconômica e
enfrentar os problemas sociais.
A primeira parte parece encaminhada. Sobre o social, ele diz:
"Sabíamos como é difícil essa tarefa e a estamos acompanhando,
com esperança e com paciência".
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Frase Índice
|