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GOLE SECO
Crise atinge pequenos vinicultores; câmbio, concorrência e legislação rígida também prejudicam os fabricantes
Menor consumo ameaça vinho Bordeaux
FRANK J. PRIAL
DO "NEW YORK TIMES", EM BORDEAUX
Com seus elegantes jardins ao
estilo inglês, cisnes plácidos, gramados bem tratados e vinhas cuidadosamente podadas se espalhando até onde a vista alcança, as
grandes vinícolas de Bordeaux
são um retrato de prosperidade.
Mas essas grandes propriedades, a maior parte das quais integrantes da prestigiosa Union des
Grands Crus, respondem por
apenas 5% da produção de vinho
na região de Bordeaux. Para os
95% de vinícolas excluídas desse
círculo mágico, na região que por
muito tempo foi a capital inconteste do vinho mundial, a vida é
muito menos atraente. As vinícolas locais atravessam o que talvez
seja a sua pior crise desde o ataque
do pulgão filoxera às vinhas da região, um século atrás.
Para a indústria vinícola francesa, é um período difícil. O consumo doméstico está em queda, a
competição estrangeira e o dólar
fraco prejudicam as exportações,
a produção excessiva se generalizou e as mudanças necessárias
são bloqueadas por regras obsoletas. Bordeaux foi atingida de forma especialmente séria porque se
trata da maior das regiões vinícolas do país, e o vinho é a peça central de sua economia. A appellation Bordeaux compreende bem
mais de 10 mil propriedades vinícolas, a maior parte das quais pequenas, com menos de 20 acres.
Figuras do setor vêm prevendo,
extra-oficialmente, que cerca de
mil dos produtores menores terão
de fechar as portas ao longo dos
próximos anos.
Patrick Tauzin é um pequeno
produtor na parte sul da região de
Bordeaux. Cultiva cerca de 8 acres
de uvas em St. Pierre d'Aurillac.
Sua produção é de 16 mil caixas de
vinho ao ano. Tauzin, 44, tem mulher e dois filhos, e não está conseguindo pagar as contas.
"Minha mulher trabalha fora
em período integral, e eu passo
horas ao telefone com os credores, todo dia. No momento, estamos correndo atrás de dinheiro.
[...] Alguns deles [produtores]
têm imensas dívidas", disse.
Crise de choro
Bordeaux está acostumada a ciclos de expansão e contração, mas
a crise dos últimos anos atingiu
proporções assustadoras. "Já vi
produtores de vinho chorando",
disse Christian Moueix, produtor
e distribuidor da região.
Moueix controla o famoso vinhedo Petrus, em Pomerol bem
como a vinícola Dominus, na Califórnia. Mas por intermédio da
empresa de sua família também
compra e distribui Bordeaux genérico. No começo deste ano, sua
adega abrigava 5 milhões de garrafas de vinho que ele não consegue vender. "Só com reduções de
preços de 30% ou 40% conseguimos movimentar o estoque."
O abismo entre o vinho genérico e o mundo das marcas famosas
e classificadas é imenso.
Três meses atrás, Tauzin e outros proprietários de pequenas e
médias vinícolas se organizaram
para pressionar o governo e a
principal associação promocional
da região, o Conselho de Vinho de
Bordeaux, a ajudá-los durante a
crise. Exigiram um preço de garantia para o vinho e um relaxamento das regulamentações do
governo que os impedem, entre
outras coisas, de misturar vinhos
de outras regiões aos seus. Os vinicultores querem usar o nome
das uvas, como merlot ou chardonnay, em seus vinhos, como
acontece no resto do mundo.
Em julho, representantes do governo concordaram com a maior
parte dessas exigências, mas apenas para os vinhos mais baratos.
Pequenos produtores como
Tauzin não são os únicos que desejam simplificar a estrutura de
produção em Bordeaux. A área
vinícola da região de Bordeaux é
imensa. Com cerca de 190 mil
acres de vinhedos, é dez vezes
maior que a Borgonha. Mesmo
com o grande excesso de produção, a área cultivada com vinhas
em Bordeaux cresceu modestamente ao longo dos anos, de 1% a
2% anuais, ante os mais de 76%
de crescimento registrados na
Austrália, diz Allen Sichel, presidente da Maison Sichel, distribuidora de vinho.
O consumo de vinho na França,
que vem caindo lento mas constantemente desde a Segunda
Guerra Mundial, registrou 5% de
queda em 2003, segundo o governo. Nos anos 60, os franceses bebiam em média 120 litros per capita de vinho ao ano. No ano passado, o número caiu a 58 litros. E a
França foi sempre o principal
mercado do Bordeaux.
O consumo de vinho nos restaurantes franceses caiu em 15% a
20% no ano passado, de acordo
com outra organização setorial,
em larga medida devido à dura
campanha contra a bebida empreendida pelo ministro das Finanças, Nicolas Sarkozy. Leis severas vêm limitando a publicidade e promoção de vinho. A indústria e seus defensores vêm tentando contornar as leis e a regulamentação quanto a dirigir sob o
efeito de álcool classificando o vinho como um alimento.
O excesso de produção é um fenômeno mundial, e especialmente penoso em Bordeaux. Mas na
região, boa parte do excesso de
plantio é responsabilidade dos
pequenos proprietários, que dependem dos vinhedos para ganhar a vida.
Os genéricos foram superados
nos mercados mundiais pelos vinhos baratos da Califórnia e, especialmente, da Austrália. Muita
gente prefere os vinhos mais suaves de lugares como esses, bem
como do Chile e da África do Sul.
Por muitos anos, Bordeaux ditou o gosto mundial em vinho
mas, sob a liderança de alguns críticos, os consumidores começaram a rejeitar o estilo mais acentuado dos vinhos da região. Os vinicultores e distribuidores dizem
que as exportações de vinhos
franceses, incluindo Bordeaux,
caíram em 5% em 2003, enquanto
as exportações dos EUA subiram
em 17% e as da Austrália, 25%.
Embora os vinicultores estejam
abandonando vinhedos, o Conselho de Vinho de Bordeaux, anunciou em junho que seus membros
reduziriam suas vendas de vinhos
mais caros, em um esforço para
estimular os preços das marcas
mais baratas. Mas ninguém sabe
por que preços mais altos ajudariam, já que a questão é de baixa
demanda, para começar.
Tradução de Paulo Migliacci
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