São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOGO DE NÚMEROS

Resultados contraditórios e falta de pesquisas no interior criam dúvidas sobre rumos do mercado de trabalho

Apagão estatístico distorce dados de emprego

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Metodologias diferentes e um apagão estatístico no interior do país distorcem os dados sobre desemprego no Brasil e transformam esses números em instrumento de uso político.
O governo federal anuncia, mês a mês, o crescimento de empregos formais no país -principalmente no interior-, com base em dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Já o IBGE, a Fundação Seade e o Dieese ressaltam o crescimento do desemprego, a partir de pesquisas feitas em regiões metropolitanas com base em entrevistas na casa dos trabalhadores.
A seis meses das eleições municipais, a falta de sintonia desses indicadores leva governo e oposição a utilizarem os resultados de cada uma dessas pesquisas de acordo com seus interesses. O governo ressalta o aumento do emprego. A oposição, a falta deles.
O principal foco dessa confusão deve-se ao fato de que não há pesquisas mensais que mostrem quantas pessoas trabalham, procuram por vagas e perdem o emprego fora das metrópoles.
O Caged, único indicador mensal que cobre o interior, não se presta a essa função por estar restrito ao setor privado formal e ser apenas um cadastro de dados, e não uma pesquisa.
Todas as empresas são obrigadas a informar mensalmente ao Caged o volume de admissões e demissões. O problema é que elas geralmente atrasam a entrega de dados, ou deixam de informá-los.
"Hoje, o Caged é um registro administrativo", diz Claudio Dedecca, professor e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp. "Para fazer do Caged um indicador de emprego, o governo teria de definir uma amostra de empresas. Como o número de estabelecimentos que enviam os dados varia de mês a mês, não dá para saber se o número de vagas criadas ou eliminadas foi de fato o divulgado."
Na década de 80, Dedecca colaborou para a criação do Caged. Entre 1985 e 1989, trabalhou na Fundação Seade.
À falta de números confiáveis sobre o interior, sobram opiniões.
"As regiões do interior do Brasil geraram o dobro de vagas das regiões metropolitanas, onde o problema do desemprego está concentrado", disse o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, ao participar em abril do encontro anual do FMI (Fundo Monetário Internacional), em Washington.
Para o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, isso é "conversa fiada". "Não há oferta de emprego nem no interior nem na região metropolitana. O desemprego é generalizado." O sindicalista é pré-candidato pelo PDT à Prefeitura de São Paulo.
Mas não é só a falta de dados sobre o emprego no interior que distorce o retrato do mercado de trabalho no Brasil: indicadores apontam resultados contraditórios também em algumas regiões metropolitanas.
A divergência entre os índices fica mais evidente no primeiro trimestre deste ano, quando se analisa o emprego na indústria de transformação da região metropolitana de São Paulo.
De acordo com a PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), da Fundação Seade e Dieese, foram cortadas 37 mil vagas; segundo o Caged, foram criadas 13.541 vagas. No Estado, a Fiesp constatou a abertura de 13.381 empregos formais -número semelhante ao verificado pelo Caged apenas na Grande São Paulo.
A bagunça de números foi tamanha que o Ministério do Trabalho já prepara uma nota técnica para explicar que as diferenças nas metodologias provocam números discrepantes.
A Folha apurou que a principal preocupação do governo federal é que as empresas freiem ainda mais seus investimentos devido à contradição de indicadores.
Para Paula Montagner, gerente da Fundação Seade, a diferença dos números pode estar dentro da margem de erro da PED. "O nosso número de vagas fechadas [37 mil] está dentro da margem de erro, que é de 2,5% em um universo de cerca de 1 milhão de ocupados na indústria da região metropolitana de São Paulo."
Para a Fiesp, a explicação são os universos diferentes. "Nossos dados são referentes a 47 sindicatos do Estado", diz Claudio Vaz.
O secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo, Marcio Pochmann, admite que o desemprego se tornou um tema político. "Os índices viraram uma medida de avaliação do governo."


Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: Tempo de superlativos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.