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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desenvolvimento com transnacionais
LUCIANO COUTINHO
As empresas transnacionais
ocupam posição relevante na
economia brasileira há várias décadas e, especialmente, desde o governo Kubitschek. Na segunda
metade dos anos 90, a sua presença aumentou significativamente
no setor de serviços (telecomunicações, setor elétrico, cabotagem,
varejo, banca) em razão da política de privatização e da grave fragilização das contas externas no
governo FHC, que deixou o país de
joelhos. Esta última condição, resultante da calibragem sobrevalorizada, nefasta e oportunista da
âncora cambial que viabilizou o
Plano Real, submeteu as autoridades econômicas brasileiras a vender atabalhoadamente ativos públicos -sem nenhuma estratégia- para atrair capitais externos
e os induziu a tolerar uma onda
maciça de desnacionalizações,
também para atrair o ingresso de
capitais. Infelizmente, houve pouco investimento novo -predominou a transferência de propriedade de ativos já existentes. E, lamentavelmente, para pagar, em
parte, os estratosféricos encargos
de juros da dívida pública que se
expandiu explosivamente entre
1994 e 2002. Essa imperdoável mácula do governo FHC ficará indelevelmente registrada nos anais da
história brasileira.
Assinalado esse sacrifício estúpido (nada contra a empresa estrangeira, apenas contra a forma deletéria de alienação de marcas, ativos e empresas brasileiras que foram construídas após décadas de
acumulação empresarial), resta lidar com a realidade de que as
transnacionais têm uma presença
ainda mais importante na nossa
economia. Entre os países em desenvolvimento, o Brasil ostenta o
segundo lugar em matéria de estoque de capital estrangeiro (atrás
apenas da China) e abriga filiais
de quase todas as 500 maiores empresas mundiais listadas na "Fortune". Não há, portanto, como
pensar o desenvolvimento do país
sem compreender o papel, a relevância e as oportunidades de expansão das empresas estrangeiras
aqui sediadas. Não há como ignorar o fato de que dominam um
conjunto-chave de setores industriais e de serviços.
Até o início dos anos 80, o fator
determinante de atração das empresas estrangeiras foi o mercado
interno resguardado pela política
protecionista de substituição de
importações. Porém, no decorrer
da longa crise brasileira dos anos
80, 90 e do início do século 21, as
condições de concorrência global
mudaram significativamente. Aumentou a concentração dos mercados e mais ainda a centralização da propriedade do capital na
grande maioria dos setores industriais e de serviços; cresceu o papel
mundial das transnacionais nos
setores de comércio/investimentos;
aprofundou-se a divisão do trabalho dentro das redes internacionais das grandes empresas. Predominantemente as transnacionais
têm como objetivo maximizar a
sua eficiência em escala mundial,
buscando a divisão de trabalho
mais produtiva possível -especializando e integrando as suas
atividades (insumos, produtos finais, serviços) de forma a obter a
máxima rentabilidade.
Os países em desenvolvimento
adequaram as suas políticas de
atração de capitais a esse cenário
de crescente integração. Apenas a
Coréia do Sul "escapou", pois
-notavelmente- conseguiu nos
anos 90 criar as suas próprias
transnacionais, tornando-se uma
investidora internacional. A China -que também persegue um
projeto nacional de desenvolvimento- adotou uma estratégia
de joint-ventures e de associações
entre as transnacionais e suas
grandes empresas. O Brasil, imobilizado pela crise inflacionária e,
depois, pelos efeitos nocivos da sobrevalorização cambial não se
preparou e usufruiu de forma
muito limitada do grande ciclo de
investimentos produtivos das
transnacionais nos anos 90. Agora, depois de duas décadas e meia
sem política de desenvolvimento e
sem política industrial, o governo
Lula tateia em busca de uma estratégia. O arcabouço de instrumentos e instituições que conduziu a política de industrialização
até os anos 80 foi desmantelado
pela crise e pelo neoliberalismo
dos anos 90 e nada foi posto em
seu lugar.
Uma estratégia desenvolvimentista transita pela construção de
instrumentos contemporâneos de
política de competitividade e, necessariamente, por uma política
ativa de cooperação com o capital
estrangeiro. Desde logo é altamente interessante para o país a valorização das filiais brasileiras na
divisão mundial do trabalho. Estas deveriam ser auxiliadas pela
política industrial a obter "mandatos" para localizar aqui a produção e a exportação de produtos
dinâmicos ou de partes/insumos
destes. Deveriam ainda receber estímulos para aprofundar as suas
atividades tecnológicas e também
para aumentar no país a agregação de valor em suas linhas de produtos. As transnacionais podem
contribuir muito para ampliar os
fluxos comerciais e para sustentar
um superávit comercial elevado
em manufaturas. O potencial existe, o desafio está posto!
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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