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ARTIGO/ECONOMIA GLOBAL
Ajuste da bolha dos anos 90 pode mal ter começado
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
A economia mundial está
enfrentando as consequências de duas bolhas nos preços
dos ativos: a japonesa, nos anos
80, e a mundial, liderada pelos
EUA, na segunda metade da década de 90. O ajuste da primeira ainda não foi concluído. O ajuste da
segunda, diferentemente do que
se alega, mal começou.
De acordo com essa opinião, a
maior economia do mundo está
conduzindo o planeta a uma recuperação duradoura, se bem que
discreta, após uma recessão breve
e rasa. Mas isso pode terminar por
se provar não mais do que um
conto de fadas para crianças assustadas. As recentes quedas nas
Bolsas dos EUA e no dólar sugerem que as crianças não se deixaram convencer.
Para compreender os riscos que
nos aguardam, é necessário analisar o estágio em que a economia
mundial agora se encontra. Entre
1996 e 2000, a economia norte-americana gerou 40% do aumento real na demanda mundial. Enquanto a demanda doméstica real
dos EUA subia em 26% ao longo
do período, a produção do país teve aumento de 22%. A diferença
pode ser localizada no aumento
do déficit norte-americano em
conta corrente, para o equivalente
a 4,5% do PIB do país em 2000.
Essa expansão era insustentável
e chegou ao fim no ano passado.
Os sintomas do excesso eram investimento demais, poupança de
menos e um grande déficit em
conta corrente. Por trás desses
três fenômenos estava a crença no
milagre da "nova economia", demonstrada pela alta do mercado
de ações, pelos imensos influxos
de capital e pela alta do dólar.
Ao longo dos últimos 18 meses,
a economia dos EUA -e a mundial- começou seu ajuste pós-bolha. No entanto o mais notável
com relação a esse período é a
modéstia do ajuste realizado.
No ano passado, os investimentos empresariais fixos nos EUA ficaram só 3,2% abaixo de seu nível
em 2000. Neste ano, o Goldman
Sachs prevê nova queda de apenas 7%. A resistência do consumo
vem sendo notável. Apoiados pelos preços em ascensão dos imóveis e pelas baixas taxas de juros,
os gastos dos consumidores subiram 3,1% no ano passado, e o
Goldman Sachs prevê que devam
aumentar 3,2% neste ano. O déficit financeiro do setor pessoal
continua ainda próximo aos 4%
do PIB, ante um superávit médio,
no período posterior à Segunda
Guerra, de pouco menos de 2%. A
conta corrente dos EUA também
mal passou por ajuste. No ano
passado, equivalia a 4,1% do PIB.
O BC dos EUA, na verdade, restringiu o ajuste pós-bolha quase
que só ao setor corporativo. Os
preços dos ativos foram sustentados, e os empréstimos e gastos
domiciliares, apoiados. A grande
questão hoje é determinar se as
medidas evitaram de maneira duradoura ou simplesmente adiaram o ajuste.
A resposta é que, por menos
previsível que seja seu ritmo e a
data em que será iniciado, é altamente implausível que o ajuste
possa ser evitado para sempre. Isso implicaria a continuação de
um índice extraordinariamente
baixo de poupança. Também representaria um aumento explosivo no déficit em conta corrente.
Se os EUA continuarem a crescer
mais rápido do que o resto do
mundo, no ano que vem o déficit
pode atingir 5% do PIB. Os ativos
estrangeiros nos EUA também
poderiam subir de 20% para 50%
do PIB ou mais, em cinco anos.
Isso parece inconcebível. Um
desfecho mais natural seria o enfraquecimento do dólar, uma demanda interna fraca e a melhora
no balanço externo. Essa mudança poderia, por sua vez, ser deflagrada por redução na disposição
dos estrangeiros quanto à compra
de ativos nos EUA. A vulnerabilidade é evidente. Como devedor líquido em escala gigantesca com
relação ao resto do mundo, os
EUA dependem de estrangeiros
para sustentar o valor de seus ativos corporativos e de sua divisa.
Outros ajustes nos preços dos
ativos são prováveis. Se eles coincidirem com o enfraquecimento
da demanda domiciliar e se os
ajustes, em especial o do dólar, forem lentos e limitados, poderiam
ser benéficos para os EUA. Se a
tendência de crescimento econômico fosse de 3,25% ao ano e a demanda doméstica crescesse em,
digamos, 2,75%, haveria uma
contração constante no déficit em
conta corrente, da ordem de meio
ponto percentual ao ano.
Três cenários
Em lugar de oferecer demanda
adicional para o resto do mundo,
os EUA estariam reduzindo a demanda mundial. A questão é de
que maneira a tendência seria
compensada. A zona do euro, infelizmente, só gerou crescimento
de demanda doméstica superior a
3% em dois anos -1997 e 1998-
desde 1993. O crescimento na demanda da região atingiu uma média de apenas 2% entre 1993 e
2001. No mesmo período, o crescimento médio da demanda japonesa foi de 1,2%.
Com o espaço de manobra do
Japão limitado, muito dependeria
da capacidade da zona do euro de
gerar crescimento mais rápido de
demanda. Sem medidas agressivas de parte do Banco Central Europeu, isso parece improvável.
Pode-se, portanto, antever três
cenários prováveis a médio prazo.
Primeiro: talvez haja novos e
significativos ajustes no comportamento dos consumidores ou
nos preços dos ativos norte-americanos. Nesse caso, os EUA gerariam forte demanda adicional para o resto do mundo e aumentariam ainda mais o desequilíbrio
nas contas domésticas e nacionais. Seria uma corrida ao precipício. Mas talvez leve alguns anos
até que ele seja alcançado.
Segundo: talvez haja um ajuste
suave no comportamento das famílias americanas e no dólar. O
ajuste na moeda ajudaria a compensar a fraca demanda interna,
forçando o resto do mundo a um
ajuste. O cenário seria benéfico
aos EUA, mas problemático para
o resto do mundo.
Terceiro: talvez haja um ajuste
brutal no futuro próximo, com
uma cruel espiral de queda nos
preços das ações americanas e
mundiais, taxas de juros de longo
prazo mais elevadas, um êxodo de
capital e debilidade para o dólar.
Isso forçaria uma severa redução
no investimento e no consumo
dos EUA e um ajuste ruim para o
resto do mundo. Estaríamos no
planeta do duplo mergulho.
Nenhuma das alternativas pode
ser descartada no momento. Mas
a segunda é a preferível, tanto para os EUA quanto para o restante
do mundo. Se o dólar entrasse
agora em declínio gradual, isso
seria útil. Infelizmente, o cenário é
róseo demais para ser plausível. A
verdadeira escolha pode estar entre cair do precipício em alguns
anos ou cair de um precipício
mais baixo em alguns meses.
A posição de consenso não está
necessariamente errada. Pode haver uma recuperação liderada pelos EUA nos próximos dois anos.
Mas o ajuste pós-bolha pode ter
sido só adiado. Seria melhor que
ele continuasse, em ritmo moderado, agora.
Tradução de Paulo Migliacci
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