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OPINIÃO ECONÔMICA
O pão do nosso tempo
RUBENS RICUPERO
A última vez em que o petróleo atropelou a economia
mundial foi há cinco anos apenas. Em 1999-2000, o barril de
Brent saltou de US$ 10 a mais de
US$ 30. Remexendo nos recortes
da época, tive a sensação de estar
lendo sobre os dias atuais. O presidente da Opep declarava, por
exemplo, que a relação entre oferta e demanda não justificava preço tão alto (23/09/00). Ao menos
US$ 8 eram "espuma", isto é, culpa dos especuladores. Hoje, se diz
que de US$ 8 a US$ 12 são resultado do prêmio de risco político, do
clima ou da especulação. Só que,
em 2000, os US$ 8 de espuma se
deduziam de barril a US$ 37, enquanto agora a bolha incide sobre preço de US$ 54. Em outras
palavras, o patamar do que se
aceita como a cotação "normal"
pulou de US$ 29 a US$ 42-44 em
poucos anos.
Outras explicações de então
coincidiam com as do momento.
Atribuíam-se 8% ao aumento dos
fretes dos petroleiros. Dizia-se que
as refinarias americanas trabalhavam a 95% da capacidade. Do
quadro restante, alguns aspectos
eram piores -já havia bloqueios
e manifestações violentas em toda a Europa (hoje, a valorização
do euro atenua o impacto para os
europeus). Outros eram melhores
-foi antes dos atentados terroristas de 11 de setembro, da invasão do Iraque, e não se imaginava
que a situação na Arábia Saudita
deteriorasse tanto.
A semelhança principal é que os
otimistas profissionais, aqueles
que se sentem no dever de "talk
the markets up", isto é, de usar a
lábia para manter os mercados
em alta, estavam já em pleno vapor. FMI, OCDE, colunistas convencionais, todos repetiam que
não havia muito a temer: com a
"nova economia", baseada na
eletrônica e sendo imune a choques petrolíferos, seria necessário
tranco brutal para subtrair no
máximo 0,4 ponto percentual de
um crescimento econômico, que,
tal como o de 2004, era anunciado como "o melhor em dez anos".
Todos estavam errados. A razão
acabou ficando com o professor
Andrew Oswald, da Universidade
de Warwick. No artigo "Fuelling
false hopes", ou "Dando combustível a esperanças falsas", ele assim resumia o título sugestivo: "A
mais superficial das análises das
últimas décadas basta para mostrar que o gatilho principal dos
movimentos em matéria de desemprego e produção são os movimentos no preço da energia". E,
como provocação adicional, no
auge da "bolha da internet", aduzia: "É o preço do petróleo -não
a engenhosidade de Bill Gates, ou
a globalização, ou alguma outra
moda fugaz dos anos 90- que
deveria ser a variável-chave na
política de planejamento econômico".
Seu raciocínio era simples: o
preço do cru, em termos reais, havia atingido, em 1998, o nível
mais baixo desde a Segunda
Guerra Mundial. Em certo momento, chegara à metade do preço real dos anos 50 -em pleno
milagre europeu dos "30 anos gloriosos"- e representava um
quinto do início dos ano 80. Como quase tudo é feito de trabalho
e energia, os custos totais das empresas desabaram, maximizando
os lucros e alimentando de combustível barato o "boom" de 1999-2000.
Lembrava Oswald que três choques petrolíferos tinham marcado
a fase de pós-guerra: o de 1973-74,
o de 1979-80 e a duplicação dos
preços em 1990, após a invasão do
Kuait. Todos esses episódios haviam sido seguidos por contração
econômica e um aumento brusco
e, nos dois primeiros casos, sustentado do desemprego. Numa
data na qual o barril tinha aumentado apenas a US$ 22, ele
previa a repetição do padrão da
queda da atividade, após a defasagem de alguns meses, o que, de
fato, aconteceu em 2001.
Com a desaceleração econômica, a contração do comércio e o
aumento do desemprego ocorridos naquele ano, dispomos não
de três mas de quatro experiências em que o efeito recessivo e desempregador foi, em todos os casos, sem exceção, a conseqüência
de um choque petrolífero. É verdade que as economias avançadas são menos intensivas em
energia e as novas tecnologias eletrônicas são menos dependentes
de óleo que a indústria de outrora. Ninguém espera a reprodução
do sucedido de 1973 para 1974,
quando o PIB americano despencou de quase 6% a menos 0,5%.
Convém, no entanto, não exagerar: o petróleo é ainda o que faz
andar a máquina do mundo e,
em muitos setores do transporte,
a dependência do produto chega
a 90%.
Neste ano, os preços já subiram
mais de 65% e algumas cotações
atingiram o nível da invasão do
Kuait. É motivo mais que suficiente para redobrar de prudência, à luz das quatro experiências
recentes. E não esquecer, para
além do domínio econômico, que,
em nossos dias, o preço da gasolina é, simbolicamente, o que era o
preço do pão no século 19: o pavio
que faz explodir o descontentamento popular.
Rubens Ricupero, 67, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo
Itamar Franco).
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