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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Barrados no baile?
RICARDO CARNEIRO
Um tema crucial do debate
econômico é o da sustentação do incipiente crescimento da
economia brasileira iniciado em
2004. Abordar esse assunto exige
examinar dois tipos de condicionante: os impactos do cenário internacional favorável e as implicações da estratégia de política
econômica adotada após 2003.
A economia internacional vem
ganhando momento no último
triênio e, segundo projeções do
Fundo Monetário Internacional,
o PIB (Produto Interno Bruto)
global deve crescer, neste ano, algo como 5%, e o comércio, 9%,
valores típicos da "idade de ouro". O desempenho dos países
emergentes mostra os efeitos favoráveis dessa conjuntura. Entre
2001 e 2003, nosso crescimento
médio anual (2%) esteve longe de
acompanhar o dos grandes emergentes, China (11%), Rússia (9%)
e Índia (7%), ou o dos pequenos
asiáticos (média de 6%). Esse ritmo de expansão dá uma idéia do
quão acanhada é nossa performance mesmo na hipótese de dobrarmos a evolução do PIB.
O cenário externo favorável
amenizou a nossa principal restrição ao crescimento, a externa.
Isso pode ser visto por meio dos
indicadores de vulnerabilidade.
No caso da liquidez, a melhora foi
menos substantiva e estacionou
no início de 2004 com a constância do montante de reservas. O
grande progresso é observável na
solvência por conta do crescimento excepcional das exportações.
Não seria exagero atribuir à política econômica atual uma contribuição negativa a esse quadro.
Diante de uma forte ampliação
da liquidez e do comércio internacionais, a opção foi alargar os
ganhos imediatos através da
apreciação da moeda nacional,
com implicações na velocidade de
queda da inflação e com ganhos
patrimoniais na dívida pública.
Sacrificou-se, assim, o aumento
substantivo das reservas internacionais e a maior competitividade
das exportações de manufaturados.
Os benefícios de uma posição de
liquidez mais robusta não seriam
desprezíveis, implicando maior
resistência às flutuações dos mercados financeiros internacionais
e a seus intermitentes fechamentos para países de maior risco, como o Brasil. A competitividade
das exportações com base em taxa de câmbio mais desvalorizada
parece discutível à luz do seu excepcional desempenho. Todavia
não se deve subestimar a importância da taxa de câmbio como
instrumento de mudança da pauta na direção de bens de maior
conteúdo tecnológico, menos suscetíveis às marcadas variações cíclicas, de preços e quantidades,
próprias das commodities, das
quais dependemos em excesso.
Há argumentos favoráveis às
opções de política econômica realizadas pelo governo. Esses se assentam na hipótese da permanência do cenário externo favorável e, por isso mesmo, na inutilidade do sacrifício do acúmulo
adicional de reservas ou de taxas
de câmbio desvalorizadas. Afinal,
bastaria praticar políticas econômicas ortodoxas para ganhar a
confiança dos mercados e obter
acesso a eles em condições cada
vez melhores. Ademais, com a expansão do comércio internacional assegurando elevadas taxas
de crescimento das exportações, a
valorização cambial permite reduzir a inflação e a dívida pública, reforçando a credibilidade do
país.
A continuidade do crescimento
do comércio e da liquidez nos
moldes observados após 2001 é
duvidosa. Na raiz da sua improbabilidade estão os crescentes desequilíbrios internacionais, cujo
epicentro é a economia americana. Grande ênfase tem sido conferida aos recorrentes déficits em
transações correntes dessa economia, hoje rondando os 5% do PIB,
e a seu financiamento por uma
particular articulação com os países asiáticos. Todos, inclusive o
FMI, se perguntam: até quando?
Há outros problemas menos discutidos, porém de igual ou maior
relevância, como as bolhas de
preços nos vários mercados de ativos (imobiliário, ações, bônus,
commodities), que engendram
desequilíbrios de solução mais intrincada e custosa.
Ora, se isso é verdade, não parece boa política para quem é classificado como um "país de grau de
risco especulativo", fiar-se na preservação da atual conjuntura internacional. Teria sido preferível
aproveitar o momento para criar
as bases de uma inserção externa
de melhor qualidade, em particular mais resistente às turbulências
que certamente virão. Não tê-lo
feito pode custar mais uma vez ao
país ser barrado no baile do desenvolvimento.
Ricardo Carneiro, 52, é professor do
Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política
Econômica da Unicamp. Escreverá uma
vez a cada quatro domingos, em substituição à economista Maria da Conceição
Tavares.
E-mail - carneiro@eco.unicamp.br
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