São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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ANÁLISE

Freada chinesa ameaça multinacionais

MIKE MORGAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Se você continua em marcha lenta em relação à China e não decidiu se deve seguir a manada e investir em Pequim, talvez já tenha perdido o barco, pelo menos por enquanto.
E se você se manteve distante das indubitáveis delícias da Cosco Pacific e da Guangdong Investment em favor de ações européias "seguras", provavelmente seria inteligente não demonstrar complacência exagerada. Porque um número surpreendentemente grande de empresas de nomes muito conhecidos na Europa pode sentir o abalo causado pela desaceleração da superaquecida economia chinesa.
As empresas Remy Cointreau, Lonmin e Siemens geraram, cada uma, 10% de seu faturamento em 2002 na China. O mesmo se aplica à Volkswagen, cujas vendas de automóveis no país subiram 40% em 2003. A China deu às gigantes de celular Nokia e Ericsson cerca de 9% de seu faturamento no ano passado. Para Alcatel, Danone, STMicroelectronics e Infineon Technologies, o número ficou perto dos 8%.
Teun Draaisma, do banco Morgan Stanley, mantém completo otimismo sobre as perspectivas de longo prazo para a China.
Como exemplo do entusiasmo dos investidores, ele cita uma conferência do banco sobre commodities, em Nova York, em fevereiro. Mais de 400 delegados lotaram um salão, e número equivalente não conseguiu se registrar para o evento.
Mas há um problema, porque esse evento desperta lembranças de uma conferência do Morgan Stanley sobre internet, redes e softwares, no Arizona, em 2000, praticamente no pico da bolha da tecnologia, com mil participantes assistindo as palestras de pé.
Draaisma vê outros sinais negativos, em especial as 18 ofertas públicas iniciais de ações neste ano na China, que resultaram, em média, em valorização de 100% para as ações colocadas à venda.
Há o incontestável economista do Morgan Stanley para o mercado chinês, Andy Xie, que conta histórias sobre amigos que abriram empresas de internet em 2000 e agora montam negócios com commodities ou mineração.
"Acreditamos que o entusiasmo do mercado quanto ao potencial de longo prazo da China seja justificado", diz Draaisma. "Mas isso conduziu a níveis elevados de especulação em determinadas áreas, e os riscos cíclicos de curto prazo terminaram ignorados. É inevitável que venha a haver ciclos no crescimento estrutural da China, e 2004 pode apresentar uma severa desaceleração."
Carl Weinberg, da High Frequency Economics, opta por uma visão mais positiva. Números oficiais demonstram que a produção industrial chinesa em março estava 19,4% acima do total registrado no mesmo período em 2003, depois do aumento combinado de 17% em janeiro e fevereiro.

Conflito de números
"Nós analisamos os dados intensamente para reproduzir esses cálculos -e não conseguimos fazê-lo", diz Weinberg. "Nossos números sugerem um aumento muito mais forte na produção industrial, de 36,1% em março ante o mesmo mês em 2003, depois de 33,1% de avanço no período janeiro-fevereiro, o que fica perto da metade do cálculo oficial, um fator que causa suspeita."
"De qualquer forma, a implicação desses números, quaisquer que sejam os cálculos, é que a economia está crescendo num ritmo insustentavelmente rápido."
Muitos administradores de fundos parecem ter se deixado convencer por esse argumento. Na semana passada, a influente pesquisa do banco Merrill Lynch com administradores de fundos em todo o mundo constatou que só 34% deles esperam que os preços das commodities estejam em alta em um ano, ante 70% em janeiro.
O motivo? A crença de que, pela primeira vez desde a crise da Sars, a economia chinesa perderá força nos próximos 12 meses.
A economia da China vem mantendo um dos mais rápidos ritmos mundiais de expansão. Sua expansão nos 12 meses até março foi de 9,7%, com o pesado investimento internacional ajudando a prolongar o rápido crescimento. Isso causou temores de superaquecimento e expectativa de nova compressão no crédito.
Um terceiro trimestre consecutivo de crescimento anualizado superior a 9% foi registrado, a despeito de uma campanha do governo para conter a expansão perto da meta oficial de 7%, que é vista como mais sustentável.
O crescimento da China tem três motivos básicos: avanço nas exportações, que expandiram cerca de 35% em 2003, de acordo com as expectativas; investimento estrangeiro direto, que bateu um recorde, ultrapassando US$ 50 bilhões no ano passado; e investimentos bancados pelo Estado em infra-estrutura.
Ian Harwood, da Dresdner Kleinwort, diz que todos os sinais da China indicam que vão surgir normas para desacelerar a demanda por investimento e os desequilíbrios que o país vem criando, ainda que, no momento, as autoridades pareçam relutantes em adotar uma política agressiva de aperto monetário.


Tradução de Paulo Migliacci


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