|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Filhos diletos, Malan e Armínio dão dor de cabeça ao FMI
Lula Marques - 8.ago.02/Folha Imagem
|
Armínio e Malan, durante entrevista sobre o acordo com FMI |
ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"
Quatro meses atrás, o ministro brasileiro da Fazenda,
Pedro Malan, deu uma demonstração espantosa de confiança na
saúde econômica de seu país
quando quitou um empréstimo
de US$ 4,2 bilhões, contraído com
o FMI, antes do vencimento.
Agora, embora o status de bom
aluno de Malan tenha ajudado o
Brasil a conseguir um novo empréstimo do FMI, de US$ 30 bilhões, os mercados estão enviando seu país para o fundo da classe.
Malan e o presidente do Banco
Central, Armínio Fraga, poderão
ver sua sorte decair se, como parece provável, perderem seus cargos
após as eleições de outubro.
Seria o fim de uma colaboração
que conquistou uma virada notável, mas economistas observam
que fraquezas podem minar o trabalho até dos melhores administradores. Seja como for, os efeitos
da incerteza política deixam claro
o perigo de os investidores (ou o
FMI) depositarem confiança excessiva na capacidade de administradores individuais de mudar
os rumos de um país. Wall Street e
o Fundo gostam de tratar com Armínio e Malan.
Ambos se sentem à vontade no
circuito financeiro internacional.
Com doutorado em Princeton,
Armínio já foi executivo da empresa de administração de fundos
de George Soros. Malan trabalhou
para a instituição irmã do FMI, o
Banco Mundial. "Esses caras têm
o respeito tanto dos mercados
quanto do FMI", diz Frederick
Jaspersen, diretor para a América
Latina do Instituto de Finanças
Internacionais. "Eles são bons, e o
FMI sabe disso."
Mas isso pode virar um problema, na medida em que se questiona o tratamento dado pelo Fundo
a seus "filhos diletos".
Quando, na década de 1990, o
FMI se envolveu com uma série
de países problemáticos -Rússia, México, Indonésia-, observadores notavam, com frequência, que sua direção tinha a tendência a apegar-se a um ou outro
grupo de reformistas em cada
país. Eles falavam a mesma linguagem da economia ortodoxa,
moviam-se nos mesmos círculos,
com frequência tinham se formado nos EUA e, de modo geral,
eram vistos por Washington como sendo confiáveis.
No discurso de despedida que
fez no ano passado ao deixar o
FMI, Stanley Fischer, o antigo número dois do Fundo, rendeu homenagem a uma lista de tais luminares, e a lista incluía Pedro Malan. Ele destacou que o Fundo
apóia políticas, não pessoas. Mas
disse: "Com frequência fazemos
nosso trabalho ao reforçar as pessoas que lutam, sob pressões
enormes, para fazer a coisa certa".
Descrito como a teoria do
"grande homem", esse estilo já
causou problemas ao FMI, quando um filho dileto mostrou ser
menos influente ou menos confiável do que se imaginava. Tanto
o FMI quanto os investidores ficaram queimados, recentemente,
pelas negociações conduzidas
com o ex-ministro da Economia
argentino Domingo Cavallo.
Saudado originalmente como o
homem que refreou a hiperinflação na Argentina, Cavallo desfrutou de grande margem de manobra em 2001, quando introduziu
medidas cada vez mais desesperadas -um reescalonamento da dívida que aumentou os custos dos
empréstimos argentinos, uma
tentativa de atrelar o peso ao euro
e a manipulação de impostos para
ajudar exportadores-, que não
beneficiaram a economia, apenas
adiaram o que já era inevitável.
"Culto à personalidade"
Miguel Diaz, diretor do programa de América Latina no Centro
de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, tirou lições da experiência. "Nenhum indivíduo é indispensável. Criou-se
um culto à personalidade que não
é saudável. Depois de Cavallo, esperava que Wall Street já tivesse
aprendido a lição."
O FMI, pelo menos, demonstra
alguma consciência, ao programar a maior parte do empréstimo
para 2003 -um incentivo para
que o vencedor da eleição siga a
mesma linha de Malan e Armínio.
Mas nada muda o fato de que a
enorme dívida do país o ameaça
com uma moratória, seja quem
for eleito. Morris Goldstein, especialista em dívida e crises financeiras no IIE (Institute for International Economics), diz que não
se deve permitir que as realizações da equipe econômica atual
ocultem as vulnerabilidades brasileiras. "Quando se tem uma dívida nessa proporção, a probabilidade de problemas é maior, mesmo que o comportamento recente tenha sido bom." Ele diz que o
pacote de ajuda do FMI deveria
haver incluído alguma estratégia
de restruturação da dívida. Mas
essa possibilidade foi rejeitada
com firmeza por Malan e Fraga.
Seja lá o que o FMI pense reservadamente sobre a sustentabilidade da dívida, a instituição não
vai tentar impor uma restruturação forçada aos administradores
que conhece e em quem confia.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Conjuntura: Empresas fazem caixa para atravessar as turbulências Próximo Texto: Frase Índice
|