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Lula deixará déficit externo para sucessor
Presidente encerrará mandato com saldo negativo nas transações com o exterior semelhante ao que recebeu de FHC, projetam analistas
Balança comercial, que
registrou superávit recorde
de US$ 46,5 bi ao final do
1º governo de Lula, pode
até ter saldo zero em 2010
GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As projeções mais recentes
de especialistas e investidores
apontam que o ajuste das contas externas do país realizado
ao longo do primeiro mandato
do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva será integralmente revertido no segundo.
Em outras palavras, Lula deixará para seu sucessor um déficit nas transações de bens e serviços com o exterior semelhante ou superior ao que recebeu
do governo Fernando Henrique Cardoso, depois de ter comemorado cinco anos consecutivos de superávits, a mais
longa seqüência já registrada
pelas estatísticas disponíveis,
de 1947 para cá.
De acordo com as previsões
mais consensuais do mercado,
coletadas em pesquisa do Banco Central, o déficit brasileiro
em transações correntes -que
inclui comércio, viagens, remessas de lucros e pagamentos
de juros- chegará a US$ 31,45
bilhões em 2010, último ano da
administração petista. Mesmo
com as hipóteses mais otimistas para o crescimento econômico, o valor deverá equivaler a
algo entre 1,6% e 1,8% do Produto Interno Bruto.
Trata-se de um patamar quase idêntico ao do final de 2002,
quando, em meio a uma crise financeira agravada pela insegurança trazida pela sucessão
presidencial, o déficit foi reduzido de 4,2%, no ano anterior,
para 1,5% do PIB.
A conta mais importante das
transações correntes, a balança
comercial, é a que mostra mais
claramente as dimensões do
ajuste do primeiro mandato de
Lula -e as do desajuste esperado no segundo e já em curso.
Com a alta do dólar iniciada
em 1999 e intensificada em
2002, o governo Fernando
Henrique Cardoso foi encerrado com superávit comercial de
US$ 13,1 bilhões, em tendência
crescente graças à expansão da
economia mundial e à elevação
generalizada dos preços de produtos primários. No final do
primeiro governo Lula, a balança exibia saldo recorde de US$
46,5 bilhões, propagandeado
na campanha da reeleição como mérito e prova do sucesso
da política externa do petista.
O resultado, porém, não resistiu à valorização cambial,
que contribuiu para os índices
de popularidade do presidente
e seu governo. O superávit já
caiu no ano passado e, para o
mercado, deve ser de apenas
US$ 23,1 bilhões neste ano e de
US$ 9,6 bilhões em 2010 -e as
projeções podem se tornar ainda mais pessimistas.
"Estamos estimando, para
2010, uma balança comercial
próxima de zero e um déficit
corrente de US$ 50 bilhões, ou
2,5% do PIB", diz Luiz Fernando Lopes, economista do Pátria
Investimentos. Nesse cenário,
as próximas eleições presidenciais coincidiriam novamente
com aumentos do dólar e também dos juros, embora longe
das proporções de 2002.
"Vai haver um ajuste da taxa
de câmbio", diz, sem prever a
data, Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet (Sociedade
Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais). Esse
ajuste tende a ser suave, em razão do volume confortável das
reservas em dólar acumuladas
nos últimos anos pelo BC.
Países com déficits em transações correntes dependem de
capital externo, ou seja, precisam atrair investimentos ou
empréstimos do exterior para
evitar a perda de divisas. Quando o mercado considera um déficit alto demais, o risco afugenta o capital. Quando se torna escasso, como em 2002, o dólar
sobe, estimula as exportações,
inibe as importações e restabelece o equilíbrio das contas.
Isso significa que, em regimes de câmbio flutuante, as
distorções se corrigem naturalmente -os ajustes podem ser
dolorosos, como mostra o aumento das taxas de pobreza e
indigência no segundo governo
FHC e no primeiro ano de Lula.
A alta do dólar pressiona a inflação e força o aumento dos juros; a economia se retrai e o governo é obrigado a cortar gastos
devido à alta de sua dívida.
Vantagens do déficit
Economistas de pensamento
liberal tendem a ver vantagens
em déficit moderado em transações correntes, que abriria
caminho para a entrada de poupança externa no setor produtivo. "Na ausência de elevação
da poupança nacional, ou seja,
crescimento da renda superior
à expansão do consumo, a utilização da poupança externa
vem permitindo maior dinamismo dos investimentos", diz
documento recente do BC sobre o déficit esperado neste
ano, o primeiro sob Lula.
Lopes acha que esse não é o
caso brasileiro. "A taxa de investimento está baixa, em 18%
do PIB, e o que está crescendo,
financiado pelo déficit, é o consumo das famílias e do governo.
Isso não vai dar certo", avalia.
A rápida piora das contas
neste ano levou o governo, especialmente o Ministério da
Fazenda, a estudar medidas para conter o consumo ou desvalorizar a moeda, mas, para o
presidente da Sobeet, não há
muito a ser feito. "O que dá para
fazer é estimular as exportações, para pelo menos mitigar a
piora da balança comercial."
Para os dois economistas, o
governo Lula já deveria ter feito, isso sim, reformas como a
tributária e a trabalhista e medidas para conter seus gastos.
Com apenas dois anos pela
frente, é improvável que tais
iniciativas sejam aprovadas e
produzam resultados a tempo.
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